O falar
em línguas
desconhecidas como aparece no Novo
Testamento é um fenômeno característico da Nova
Aliança. A profecia registrada no Velho
Testamento, prevendo o aparecimento desse fenômeno (Is 28.11), tem o
seu cumprimento na efusão do Espírito
Santo na
igreja primitiva (1Co 14.21). Paulo diz que nesse caso as línguas
constituíam um sinal de Deus para o mundo incrédulo. Quando o apóstolo Paulo
escreveu à igreja de Corinto, instruindo-a sobre o falar em línguas, alguns anos
já haviam se passado desde o dia de pentecostes. Foi nesse dia que Jesus
cumpriu a Sua promessa de batizar os crentes no Espírito Santo (At 1.5; 2.4).
1. No dia de pentecostes o Espírito
Santo foi derramado
No dia de pentecostes o
Espírito Santo foi derramado sobre os primeiros cristãos. De acordo com o registro
sagrado, fenômenos como “som de um vento impetuoso” e “línguas como de fogo”
(At 2.1-3) foram percebidos naquele dia. Mas além desses fenômenos, um outro: o
falar em línguas
desconhecidas prendeu a atenção dos que ali se encontraram (At 2.4-11).
Desses fenômenos ocorridos com a vinda do Espírito Santo no dia de pentecostes,
somente o falar em língua se repetiria em outras ocasiões (At 2.4; 10.44-46;
19.1-6). Não parece haver dúvida alguma que as narrativas de Lucas em Atos dos
Apóstolos tencionam mostrar que o falar em línguas é uma marca distintiva da
vinda do Espírito Santo.
Veja também:
2. LIVRO DE ATOS, as narrativas de
Lucas têm um caráter didático
Não há como negar que as
narrativas de Lucas têm um caráter didático. Ele mostra que foi assim em
Jerusalém (At 2.4); na casa de Cornélio (At 10.44-46) e com os crentes de Éfeso
(At 19.1-6). Em Samaria há também o registro dos apóstolos orando para que os
samaritanos “recebessem o Espírito Santo” (At 8.14-18). O texto não faz
referência ao falar em línguas nessa ocasião, mas Lucas deixa isso subtendido,
como destacam os eruditos Matthew Henry (1996, Vol.6, p.81)), John Gill (1980,
vol.5, p.860) e Adam Clarke (2014, Tomo III, p.253). Esses intérpretes defendem
que o fenômeno tenha ocorrido nessa ocasião, sendo que a omissão do detalhe é
apenas um recurso estilístico de Lucas.
No seu livro de história da
igreja, Lucas costuma omitir informações que já deixou subtendido noutro ponto,
como por exemplo, as várias ocorrências sobre conversão sem a necessidade de
dizer que em todas elas os novos conversos se submeteram ao rito do batismo em
águas.
O gramático A. T Robertson (2003, p.297) diz que o texto deixa claro
“que aqueles que receberam o dom do Espírito Santo falaram em línguas”.
Robertson, considerado
mundialmente como a maior autoridade em grego do século 20, observa que Simão
viu o poder do Espírito sendo transferido aos outros, o que fez ele querer
possuir esse novo poder.
3. Paulo sabia que o falar em línguas
era uma prática da igreja dos seus dias
Fora do registro histórico de
Atos, a epístola aos Coríntios deixa claro que o falar em línguas era uma
experiência comum e esperada entre os primeiros crentes. De fato, o tempo verbal
grego, presente do indicativo, usado por Paulo em 1 Coríntios 14.5 diz
literalmente: “Quero que todos vós continuem com o falar em línguas” (gr. Thelo
de panta lalein glossais). Paulo sabia que o falar em línguas era uma
prática da igreja dos seus dias, e ele mesmo fazia exercício dela (1 Co 14.18).
Na verdade, esse dom ficou tão em evidência na igreja de Corinto que o apóstolo
se viu no dever de dar regulamentação para seu uso. Corria o risco dessa
manifestação do Espírito suprimir as demais (1 Co 12-14).
Dentro do contexto da
teologia Pentecostal, o gênero ocupa um destaque
especial. Devemos destacar que Lucas foi um teólogo que escreveu a história e
por isso seu material tem fins didáticos e não apenas narrativos ou
descritivos. Essa é sem dúvida alguma uma das maiores contribuições modernas da
hermenêutica para uma correta compreensão das obras de Lucas. Essa nova
metodologia, que vê Lucas como um teólogo e não apenas como um narrador de
fatos históricos, começou a ganhar notoriedade com o livro: Luke - Historian
& Theologian, escrito em 1970 pelo conceituado teólogo escocês Ian Howard
Marshal. Marshal destacou nessa obra que “a investigação moderna há enfatizado
o fato de que [Lucas] foi teólogo. Seu conceito da teologia o levou a escrever
a história (...) Lucas tinha o direito de ter seus próprios pontos de vista, e
não se deve pensar mal dele quando de alguma forma difira de Paulo nesse ponto.
Ao contrário, ele é um teólogo por direito próprio e deve ser tratado como
tal”.
Essa nova abordagem da
teologia lucana se firmou no meio acadêmico e também pentecostal graças à obra
The Charismatic Tehology of St. Luke (A Teologia Carismática de Lucas),
escrita em 1984 pelo teólogo canadense Roger Stronstad. Tomando por base o
Evangelho de Lucas, Stronstad libertou a teologia pentecostal das armadilhas
exegéticas nas quais ela havia sido enlaçada por intérpretes que insistiam em
“paulinizar” o pensamento lucano.
4. Teologia cessacionista
A teologia
cessacionista,
numa tentativa de fazer frente ao pentecostalismo, insistia no fato de que
Lucas-Atos continham apenas material narrativo ou descritivo e não didático,
como de fato são. Dessa forma os fenômenos carismáticos narrados nas obras de
Lucas possuíam pouca ou nenhuma relevância para a igreja contemporânea.
O grande mérito de Stronstad
foi, portanto, demonstrar que o pentecostalismo clássico não havia cometido
nenhum desvio hermenêutico quando tomou para si como paradigma normativo os
pressupostos da teologia lucana.
Mais recentemente o teólogo
peruano Bernardo Campos introduziu na área da interpretação bíblica aquilo que
ele mesmo denominou de Hermenêutica do Espírito (HDE). Para Campos, a
Hermenêutica do Espírito é a interpretação da Bíblia e dos acontecimentos
históricos com sob a direção do Espírito Santo, cuja finalidade última é o reconhecimento
do Messias, autor de nossa salvação. Nesse aspecto, a hermenêutica do Espírito
atua como uma atualização que dá significado ao texto bíblico. Exemplos,
segundo Campos, podem ser vistos em diversos textos bíblicos. Ele cita, por
exemplo, o Evangelho de Lucas 4.16-18, onde Jesus atualizou a profecia de
Isaias afirmando que a mesma estava sendo cumprida naquele momento em sua vida
e ministério.
Outro exemplo está em Lucas
24.44-45, onde os discípulos só vieram entender as Escrituras após terem seus
corações abertos pelo Senhor para entender aquilo que estava escrito na Bíblia.
5. Compreender o tipo de gênero
literário ao qual pertence a literatura de Lucas no livro de Atos
Compreender, portanto, o tipo
de gênero literário ao qual pertence a literatura lucana é crucial para uma
correta compreensão da sua teologia. Isso se torna mais relevante ainda quando
se estuda o papel que o Espírito ocupa na teologia lucana. Quando se reduz as
obras de Lucas apenas à sua dimensão histórica, forçosamente se é tentado a
vê-las apenas como material de natureza narrativa ou descritiva, sem valor
didático. Esse é um erro que precisamos evitar a todo custo. Por anos esse era
o entendimento que dominava os círculos teológicos graças às obras dos teólogos
John Stott e Gordon D. Fee.
Partindo de uma metodologia
que atribui apenas valor narrativo e não didático a Lucas, tanto Sott como Fee
mutilaram o caráter claramente carismático do texto lucano. A esse respeito,
Stott escreveu: “Se deve buscar a revelação do proposito de Deus nas Escrituras
nas partes didáticas, e jamais em sua porção histórica. Mais precisamente
devemos buscá-la nos ensinos de Jesus e nos sermões e escritos dos apóstolos e
não nas porções puramente narrativas de Atos”.
Esse é um exemplo clássico de
falácia exegética, pois anula uma máxima bíblica na qual se afirma que toda
Escritura é inspirada por Deus e é útil para o nosso ensino (2Tm 3.16; Rm
15.4). Por outro lado, não leva em conta o caráter didático das narrativas
veterotestamentárias usadas por Paulo quando instrui os primeiros cristãos (Rm
4.1-25; 1Co 10.1-12; G1 3.6-14). A propósito, após ver sua argumentação ser
contraditada por Roger Stronstad, o anglicano John Stott voltou atrás e fez
emendas em sua tese: “Não estou negando que narrativas históricas têm uma
finalidade didática, pois é claro que Lucas era tanto um historiador e um
teólogo; Estou afirmando que a finalidade didática de uma narrativa nem sempre
é evidente em si mesma e por isso muitas vezes precisa de ajuda interpretativa
de outro lugar nas Escrituras”.
Lucas, portanto, foi um
teólogo que escreveu a história e ao assim proceder o fez com um fim didático.
Primeiramente, ele mostra no seu evangelho a história da Salvação se revelando
de uma forma especial e chegando ao seu clímax com Jesus, o Messias prometido.
O Espírito
do Senhor, que agiu sobre os antigos profetas e que seria um sinal distintivo
do Messias (Is 61.1; Lc 4.18), estava sobre Jesus capacitando-O a realizar as
obras de Deus.
No segundo volume da sua
obra, Atos dos Apóstolos, ele demonstra que essa história da Salvação não
sofreu solução de continuidade, pois Jesus, na pessoa do Espírito Santo,
continuou presente em Seus seguidores. O Messias cumpriu as profecias e
derramou o Espírito Santo sobre toda carne (Jl 2.28; At 2.33; 5.32). Não há
dúvidas, portanto, que a teologia lucana mostra de forma inequívoca que as
mesmas experiências dos cristãos primitivos serviriam de parâmetro para todos
os crentes na história da igreja.
✍Referências: Artigo:
Pr. José | Jornal Mensageiro da Paz, ano 88, n° 1.601
Notas:
1.
Conforme se encontram nos livros: Batismo e Plenitude do Espírito (Stott) e
Entendes o que Lês (Fee).
2.
STOTT, John. Batismo e Plenitude. Edições Vida Nova, São Paulo, SP.
3.
STOTT, John. The Spirit, the Church, and the World, pp. 8, Downers Grove, IL:
Inter Varsity Press, 1990.
4.
Os escritores americanos Stanley M. Burgess (The Holy Spirit: Eastern Christian
Traditions) e Ronal A. Kydd (Charismatic Gifts in the Early Church)
demonstraram de forma definitiva que os dons do Espirito Santo estiveram
presentes por toda a história da igreja.
Estudo
Publicado em Subsídios EBD –
Site de Auxílios Bíblicos e Teológicos para Professores e Alunos da Escola Dominical.