O Cristão em Relação à Eutanásia

A eutanásia é o procedimento em que de modo ativo ou passivo uma pessoa pode antecipar ou acelerar o processo de morte. Por vezes é chamada de “morte assistida” ou “suicídio assistido”. 

No Brasil, a eutanásia é ilegal e desaprovada pelo código de medicina.


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1. O Conceito de Eutanásia

Etimologicamente, a palavra “eutanásia” tem origem em dois termos gregos: eu, com o significado de “boa” ou “fácil”, e thánatos, que significa “morte”.

A junção desses dois termos resulta na expressão “boa morte”, também conhecida como “morte misericordiosa”. No sentido técnico, “eutanásia” significa antecipar, acelerar a morte ou tirar a vida de pacientes em estágio terminal, que estejam padecendo de dores intensas em consequência de alguma doença incurável. É o ato de matar o doente para não prolongar o grave quadro de seu sofrimento e de seus familiares.

 

As formas usadas podem ser classificadas em eutanásia passiva ou ativa. A primeira consiste em desligar as máquinas e aparelhos que mantém o paciente vivo e a segunda requer a aplicação de qualquer droga que possa acelerar o processo de morte.

 

a) A ortotanásia

Enquanto a prática da eutanásia tem sido tema de amplo e controverso debate, a “ortotanásia” é um procedimento comumente aceito e praticado. Embora lexicamente a ortotanásia até possa ser considerada sinônimo de eutanásia, entre ambas há consideráveis diferenças no campo da ética (ANDRADE, 2015, p. 81).

 

A ortotanásia advém das expressões gregas orthos, que significa “correta”, e thánatos, que significa “morte”. A junção desses dois termos resulta na expressão “morte correta”, também conhecida como “morte digna”. A ortotanásia trata os sintomas de uma doença para melhorar a qualidade da vida em estágio terminal. Nesse caso, o tratamento é paliativo, com o propósito de minorar a dor e deixar morrer da maneira mais confortável possível. Não se pretende a morte do paciente; simplesmente se aceita o fato de não poder impedi-la, isto é, permite-se que a vida do paciente cesse naturalmente. Costuma-se diferenciar a “eutanásia” da “ortotanásia” nos seguintes termos: “A ortotanásia seria deixar morrer, enquanto a eutanásia seria fazer morrer”.

 

2. As Implicações da Eutanásia

As consequências da prática da eutanásia são extremamente danosas e contrárias à dignidade da vida humana. As dúvidas e as interrogações formuladas são complexas:

É legalmente autorizado fazer cessar a vida? É correto que as pessoas, especialmente quem está em fase terminal da vida e em profundo sofrimento, decida pelo término da sua vida? É permitido ao ser humano requerer medidas que lhe tirem a vida? É direito de a pessoa determinar o dia de sua morte? É moralmente certo que outras pessoas decidam pela vida do moribundo? Qual a ética adotada quando se decide pelo prolongamento ou pela eliminação da vida? Portanto, diante dessas e outras questões, a prática da eutanásia tem implicações de ordem legal, moral e ética.

 

a) Implicações legais

Nos aspectos legais, a Constituição Brasileira assegura a “inviolabilidade do direito à vida” (Art. 5º, CAPUT) e a “eutanásia” é tipificada como crime no Código Penal Brasileiro (CP):

 

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único – A pena é duplicada: Ise o crime é praticado por motivo egoístico; II- se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

No entanto, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no 236/12 (Novo Código Penal), em que o juiz poderá deixar de aplicar punição para quem cometer a eutanásia, seja ela passiva, seja ativa:

 

Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos. §1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima. §2º não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. (NCP, 2012, Art. 122)

 

Se aprovado, o novo código possibilitará ao magistrado avaliação subjetiva e pessoal acerca da prática da eutanásia ativa (§1º) e quanto à eutanásia passiva, o doente terminal ficará à mercê da vontade de terceiros (§2º). Nesses termos, a legalização da eutanásia provoca complicações de ordem moral e ética.

 

b) Implicações morais

Nas questões de ordem moral, deparamo-nos com a violação do sexto mandamento do Decálogo — “Não Matarás” (Êx 20.13) —, e em decorrência disso o crime de assassinato. E, ainda quando a “eutanásia” é consentida pelo paciente, surge o problema do pecado de suicídio. Associado a isso, questiona-se a participação do médico na condução do suicídio assistido. Nesse caso, o paciente provoca a própria morte com ajuda do médico que providencia os meios de fazer cessar a vida (PALLISTER, 2013, p. 144).

 

Os médicos não deveriam salvar vidas, em lugar de eliminar vidas? Pergunta-se ainda: A quem mais interessa a eutanásia? Ao paciente ou ao seu plano de saúde e à previdência social?

 

Enquadram-se nessa discussão as questões de consciência e o sentimento de culpa. O homem como cidadão pode até compreender os argumentos próeutanásia, porém é muito difícil aplacar a consciência, pois ela é a primeira juíza de nossos atos. A culpa é considerada como um arrependimento por uma atitude tomada. Isso acontece quando alguém é obrigado pelas circunstâncias a decidir pela morte de um ente querido. Uma parcela de pessoas fica com a consciência pesada e sofrendo remorso. O sentimento de culpa torna a pessoa refém de sua ação contrária ao instinto natural de velar pela inviolabilidade da vida.

 

c) Implicações éticas

As indagações éticas podem ser assim resumidas: É lícito exterminar pessoas doentes? Descartar enfermos, inválidos e idosos não se constitui conceito racista da eugenia? Será ético interromper o tratamento de alguém que está sedado para não sentir dores ou induzido ao coma? As pessoas que desejam morrer estão com a mente sã e em condições psicológicas para essa tomada de decisão?

 

Existem também, as questões éticas de erro médico. Os casos de diagnóstico errado. A pessoa descobre ser portador de uma doença que a fará conviver com dores horríveis, perdas cognitivas, intenso sofrimento, e, por fim, a morte. Desesperado e sem expectativas, o paciente pede então que tirem a sua a vida ou que o deixem morrer antes que a dor se torne insuportável. No entanto, o exame post-mortem conclui que o diagnóstico estava errado. Como lidar com uma tragédia dessas?

 

Acham-se igualmente inseridos nesse contexto os casos de diagnóstico certo, mas de prognóstico errado. Por exemplo, a equipe médica chega à conclusão de que determinada doença levará o paciente a uma morte dolorosa. Não obstante, tempos depois, a cura é descoberta. Matar ou deixar morrer, nesses casos, promovem implicações éticas insolúveis.

 

3. Vida humana pertence a Deus

Deus é a causa originadora como também a causa sustentadora de toda vida que existe. Deus é o Dono de todas as coisas, inclusive do amanhã (Mt 6.34, Tg 4.13,14). Ele é o único ser capaz de controlar integralmente tudo que existe, o curso da vida, cumprindo cabalmente o seu propósito e frustrando toda oposição (CRUVINEL, 2015, p. 3). Sob essa premissa, a pena de morte e a eutanásia violam a providência e a soberania divina. A vida foi dada por Deus e pertence a Ele.

 

A Bíblia ensina que Deus trouxe o universo à existência (Gn 1.1) e que Ele próprio sustenta todas as coisas em existência (Hb 1.3). Deus não criou somente a matéria, mas criou também toda a espécie de seres vivos e ainda a humanidade (Gn 1.21-27; Cl 1.16). Os homens, como obra-prima, são uma criação especial e distinta. Deus os criou à sua imagem e semelhança (Gn 1.27), característica não dada a nenhuma outra criatura.

 

A vida humana passou a existir por causa da vontade de Deus e também continua a existir por sua vontade, pois “todas as coisas subsistem por Ele” (Cl 1.17). Deus está no controle soberano de toda a vida (Dt 32.39; Lc 12.7), e toda vida tem origem nEle: “pois Ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas” (At 17.25). Portanto, o Deus vivo é a fonte originária da vida e unicamente Ele tem autoridade para conceder ou tirar (1 Sm 2.6).

 

4. O Caráter Sagrado da Vida

A vida humana, sua sacralidade e dignidade têm sua origem e fonte em Deus. A vida existe e subsiste por vontade e com propósitos divinos. Atentar contra a vida é atentar contra a providência e a soberania de Deus, o autor da vida. O poder absoluto sobre a vida e a morte pertence única e exclusivamente a Deus. A atual ideologia que propaga o direito do homem em exterminar a própria vida ou a do outro viola os desígnios divinos (Jo 10.10). Portanto, a vida humana é sagrada e deve ser protegida, cuidada, preservada, respeitada e valorizada.

 

a) A sacralidade da vida

Na história das religiões, sagrado é tudo aquilo que é objeto de uma garantia sobrenatural. O reconhecimento de que a vida humana é sagrada respalda-se em três dimensões fundamentais: a razão da sua origem, a razão da sua natureza e a razão do seu destino. Assim, como essas razões são sobrenaturais, a vida é sagrada, não por motivos biológicos, mas por Deus ser o protagonista de sua origem, de sua existência e de seu término. Em consequência, a vida humana é inviolável em quaisquer circunstâncias, fases ou etapas de sua existência. Por isso o sexto mandamento, “não matarás”, possui valor absoluto. Não se devem permitir concessões. Quando o mandamento é relativizado, a sacralidade da vida humana fica ameaçada.

 

A discussão da sacralidade da vida não pode ser apenas jurídica, mas, sobretudo, um debate de questões éticas. Para os preceitos da ética cristã, a vida humana é sagrada porque tem origem divina, visto que toda vida emana de Deus. Por conseguinte, deve ser inviolável a proibição de intencionalmente alguém tirar a vida de outro ser humano (Êx 20.13). Seja por meio da pena capital, seja por práticas abortivas ou com o uso de qualquer droga com a intenção de matar ou apressar a morte de alguém. A sacralidade da vida humana deve ser protegida e preservada antes e depois do nascimento, desde o momento da concepção até o seu último instante (Sl 116.15; 139.13-16). A vida deve ser respeitada e valorizada como dádiva divina: “Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida” (2 Pe 1.3a).

 

b) A dignidade da vida

Ao publicar sua obra A Metafísica da Moral (1797), o filósofo alemão Immanuel Kant, inaugurou o conceito de “imperativo categórico”. Em sua concepção, Kant ensinou que nas relações éticas o dever moral é “imperativo” e, por atingir a todos, sem exceção, também é “categórico”. Em outras palavras, o filósofo queria dizer que “a moral deve ser igual para todos, o tempo todo, e em todos os lugares”. Ele se posicionava contra o “relativismo moral” e contra a doutrina do utilitarismo, ou seja, a de que “os fins justificam os meios”. Para Kant, a ética deve ser fundamentada em princípios universais, e não em regras circunstanciais. Desse modo, quando aplicamos o conceito do “imperativo categórico” em relação à vida, a inviolabilidade recebe valor absoluto, ou seja, um respeito incondicional à dignidade humana é o reconhecimento do sagrado da vida, e não a sua banalização:

 

No Brasil, hoje vivemos uma situação paradoxal. Há proteção legal da vida de plantas e animais. O mesmo não ocorre com a vida humana. As plantas e os animais usufruem da proteção de ONGs, do público e da autoridade em geral, quando em propriedade particular. Em lugares públicos, a atitude muda, pois aí ninguém se sente responsável. Quando o vizinho derruba uma árvore em seu pátio, porque ameaça cair sobre sua residência, outros logo se encarregam de avisar as autoridades sob o pretexto de defender o meio ambiente. Onde fica a eminente dignidade humana? O homem foi reduzido a simples objeto? Deve o homem fazer tudo que sabe, sem prever as consequências? O homem é meio ou fim em si mesmo? (ZILLES, 2007, p. 344)

 

O autor da citação acima questiona a existência de espaço para a sacralidade e a dignidade da vida humana na sociedade hodierna. Reclama que, por parte de alguns setores, a vida das plantas e dos animais recebe maior atenção que a própria vida do ser humano. Isso nos remete ao problema da vulgarização da vida. Em nome do pseudodireito de morrer e também do suposto direito legal de matar, como nos casos do suicídio, aborto, pena de morte e eutanásia, a sacralidade e a dignidade humana são desrespeitadas e tornaram-se corriqueiras.

 

Entretanto, essa não deve ser a postura cristã. Se a vida é sagrada por ocasião da concepção, deve permanecer sagrada durante todo o seu percurso, e não poderá deixar de ser sagrada em seu derradeiro dia. No caso de alguma enfermidade, o paciente tem o direito de receber tratamento adequado tanto na busca da cura como no alívio de suas dores. Procedimentos dolorosos e ineficazes podem ser evitados a fim de resguardar a dignidade humana, porém, exterminar a vida é uma afronta ao Príncipe da Vida (At 3.15).

 

Buscar a morte como alívio para o sofrimento é decisão condenada nas Escrituras. Jó, por exemplo, embora sofrendo dores terríveis, reconheceu o caráter sagrado da vida e com dignidade não aceitou a sugestão de sua esposa em amaldiçoar a Deus e morrer (Jó 2.9). Por fim, o patriarca enalteceu a providência e a soberania divina sobre a existência humana: “Bem sei eu que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42.2).

 

Quanto à pena capital, vale a pena ratificar a seguinte assertiva do apologista assembleiano: “é como a bomba atômica: existe, mas não é para ser usada. Ela não vai resolver, como nunca resolveu, o problema da violência e da criminalidade” (SOARES, 2014, p. 97).

 Referencia: BAPTISTA, Douglas. Valores Cristãos: Enfrentando as questões morais de nosso tempo, 1ª edição de 2018, CPAD.

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