I. A TERRA É DO SENHOR
O livro de Levítico
reafirma, por meio de suas ações litúrgicas, as teologias do Gênesis e do
Êxodo; mostra que Deus, sendo o Criador dos Céus e da Terra, tem de ser adorado
por tudo quanto existe e por tudo o que temos.
VEJA TAMBÉM – Clique para acessar:
1.
Deus é o Criador dos Céus e da Terra.
Se o Gênesis mostra que Deus
criou tudo quanto existe, o Levítico reivindica dos israelitas que consagrem tudo
ao Senhor (Gn 1.1; Lv 1.1-17). Ao mesmo tempo, exorta-os didaticamente, por
meio das ofertas e sacrifícios, a jamais oferecer honras a ídolo algum (Lv
19.4). No panteão faraônico, a Terra era idealizada pelo deus Geb; um representante
bem-apanhado do sexo masculino. E, para acompanhá-lo, ali estava a deusa Nut,
responsável pelo bom andamento do céu. Diante dessa extravagante narrativa, o
que esperar dos egípcios? Não é de admirar que eles adorassem o seu país, como
se este fosse o centro do Universo e a morada de todos os deuses. Mas para
eles, suas divindades, ao invés de se espalharem pelo Egito, concentravam-se
relaxadamente em Heliópolis, onde reinava Rá-Atum sobre todos.
Nesse processo idolátrico,
residia um projeto de poder, que consistia em eternizar os Faraós sobre o
governo do Egito. O mandatário egípcio, tendo à sua disposição toda uma
academia de astrólogos, magos e bruxos, mitologizava habilmente a própria
imagem. Esse marketing era tão poderoso que, com exceção dos “sábios”, todos imaginavam
que o Faraó descendia diretamente de Osíris. A lógica política, que subjazia a
essa propaganda oficial, era ardilosa, cruel e mentirosa. Sendo o rei um deus,
a terra sobre a qual reinava também era uma divindade. Por que contrariar os
deuses? A fim de esvaziar o panteão egípcio, Deus enviou às terras de Faraó dez
formidáveis pragas. Nesse décuplo castigo, todas as divindades egípcias
viram-se por terra.
Nem o Nilo escapou. E, como
derradeiro castigo, o Senhor puniu a própria casa de Faraó, matando-lhe o
primogênito. Com a morte deste, caía o mito de Osíris.
Consideremos as dez pragas
não apenas como açoite ao Egito, mas principalmente como preciosa lição aos
filhos de Israel. Apesar de sua crença monoteísta, o seu contato prolongado com
a religião egípcia levou-os a uma espécie de henoteísmo. E, agora, apesar de ainda
crerem no Deus de Abraão, não deixavam de crer nos deuses de Faraó. Não foi sem
razão que caíram em diversas apostasias durante a caminhada à Terra Prometida.
É claro que, entre os hebreus saídos do Egito, havia um núcleo fiel, que jamais
se deixou embair pela mitologia egípcia. A maior parte, todavia, acabou por
cair no deserto.
Na verdade, não foi difícil
tirar Israel do Egito. Difícil mesmo foi arrancar o Egito de Israel. O que
esperar de um povo que estava disposto a trocar a sua liberdade por melões e
pepinos? Essa mesma gente acabaria por barganhar o seu Deus por um mísero
bezerro de ouro; reminiscência da idolatria egípcia.
O Egito, como as demais
nações, não pertencia ao Faraó nem ao seu querido primogênito; o mundo todo
pertence a Deus. Logo, nenhuma terra em particular pode ser idolatrada.
Se
do Senhor é a Terra, como devemos proceder?
Hoje os pecados ligados à
Terra são estranhos e muitos. Vão desde a posse criminosa de vastas e preciosas
glebas, que poderiam nutrir milhões de famílias, até à ecolatria. Que o planeta
deve ser preservado, ninguém discorda.
Mas daí a adorar a criação
em lugar do Criador é um absurdo. Nos dias de hoje, a Terra é adorada como a deusa
Gaia. Ontem, uma divindade masculina; hoje, feminina. Até o planeta foi submetido
ao processo pós-moderno de afeminação. Para evitar tais arroubos, o livro de
Levítico mostra o nosso planeta, em seus sacrifícios e oferendas, como obra de
Deus. Todo israelita é exortado a adorar somente ao Senhor.
2.
Deus é o libertador de Israel.
O livro de Levítico
patenteia aos filhos de Israel que Deus é o seu único libertador. Por esse
motivo, nenhum israelita poderia comparecer diante do Senhor de mãos vazias (Êx
23.15).
A teologia de Levítico tinha
uma lógica simples e perfeitamente compreensível: se toda a
Terra é do Senhor, logo todos os seus moradores devem adorá-lo com os produtos
de suas rendas. Nesse sentido, a religião do Antigo Testamento ia além da mera
liturgia. Toda vez que um israelita oferecia um sacrifício a Jeová, quer
pacífico, quer por sua iniquidade, ele confessava dramaticamente reconhecer o
senhorio divino sobre tudo que existe.
O adorador agradecia também
ao Senhor pelo Êxodo. Por esse motivo, a teologia de Levítico era
essencialmente memorialista; o Libertador de Israel jamais poderá ser
esquecido. Ele será lembrado em cada sacrifício, oferta e apresentação.
Por que não agimos assim
também? Deveríamos apresentar nossos dízimos e ofertas ao Senhor de forma
litúrgica e memorial. Em oração e profundas ações de graças, levemos as
primícias de nosso lavor à sala do tesouro, conforme recomenda-nos o Senhor,
por intermédio de seu profeta (Ml 3.10).
Os princípios do terceiro
livro do Pentateuco não foram sepultados no Antigo Testamento, mas revivem no
espírito da Nova Aliança. Não quero dizer, com isso, que devamos judaizar-nos;
isso seria apostatar da verdadeira fé. Mas que temos de reconhecer os
benefícios recebidos do Senhor, não há dúvida. Jesus Cristo, por intermédio de
seu sangue, libertou-nos do pecado, do mundo e do próprio Diabo. Por que não
honrá-lo com as primícias de nossas primícias?
3.
Israel é o templo de Deus.
A teologia de Levítico tinha
por objetivo, ainda, conscientizar Israel de sua vocação divina (Lv 20.26).
Logo, toda a nação israelita era um templo de adoração ao Senhor. (Lv 10.3). O
povo hebreu não era uma mera teocracia; era a congregação de Jeová. (Lv 9.23).
Tenho para mim que a maior
teocracia atual é a Coreia do Norte. Suplanta até mesmo o país dos aiatolás.
Pelo menos foi a impressão que tive ao assistir a um documento sobre esse
hermético país do Extremo Oriente. Apesar de seu ateísmo militante, a religião,
ali, é praticada radical e ostensivamente.
Altares e nichos são
encontrados em todos os lugares. Se formos a Pyongyang, teremos a impressão de que
a cidade toda é um grande e suntuoso templo. Mas não pense você que, neste
altar, há um santo católico, e, naquele, um budista, e, naquele outro, um
hindu. O único deus encontradiço naquele perímetro silente e ameaçador é o
grande líder e seus “onipresentes” antepassados. A mesma impressão teremos se
visitarmos alguns países da América Latina. Haja vista o ocorrido na Venezuela.
O falecido presidente Hugo Chaves foi de tal forma idolatrado, que chegaram inclusive
a adaptar-lhe uma oração do “pai nosso”. Até o nosso país já correu semelhante
risco. Se é para adorar a Deus, estamos aqui. Mas, se é para adorar o homem ou
o demônio, que o Senhor nos guarde.
Se nos fosse possível voltar
à cidade egípcia de Tebas, veríamos que, ali, nos dias de Moisés, era mais
fácil topar com um deus do que com um homem. Aqui, estava Rá-Atum. Lá, Osíris.
E, mais adiante, a deslavada Hathor. A capital do Egito mais parecia um
santuário a céu aberto do que um centro urbano. Se estendêssemos a excursão até
Heliópolis, seríamos tomados pela revolta que levou Paulo a enojar-se de Atenas.
Mas, entre tantos deuses e deusinhos, não encontraríamos um único altar
consagrado ao Deus Desconhecido.
Ora, se o Egito era um
templo dedicado a deuses que, rigorosamente, nem deuses eram, por que a herança
de Jacó, em Canaã, não poderia ser também um santuário consagrado ao Deus de
Abraão e de Isaque? Essa era a proposta da teologia levítica. Mas, para que
isso se fizesse realidade, alguns estágios eram imprescindíveis. Antes de tudo,
o povo hebreu teria de assumir sua identidade como congregação de Jeová. Isso
significa que os israelitas precisavam superar, com urgência, as diferenças tribais,
as arestas culturais e dialetais e, principalmente, as barreiras políticas que,
a essa altura, já eram bem visíveis. Sem comunhão, não pode haver povo de Deus.
A congregação de Jeová teria
de ser tão unida que, aos olhos dos gentios, deveria parecer um único povo. Dessa
forma, ao adentrarem a Terra Prometida, os israelitas não enfrentariam maiores
dificuldades em transformá-la num templo a céu aberto.
Nalguns momentos de sua
história, os israelitas estiveram perto de alcançar tal meta. Reis como Davi,
Salomão (na primeira etapa de seu reinado), Josafá, Ezequias e Josias muito
lutaram por esse ideal. Pelo que lemos no profeta Ezequiel, a comunhão plena e
messiânica entre os hebreus somente virá a ocorrer com o estabelecimento do
Reino Milenial, após a Grande Tribulação.
Numa leitura mais atenta de
Levítico, aprendemos que a intenção do autor sagrado era conduzir didática e profeticamente
Israel a ser a congregação e a Casa do Senhor. Alcançado esse ideal, por que
precisariam eles de uma edificação tão suntuosa como a de Salomão? Como os
israelitas eram tardos em assimilar as lições
divinas, acabariam por idolatrar até mesmo o primeiro Templo (Jr 7.4).
II.
OS ANIMAIS E OS VEGETAIS SÃO DO SENHOR
A teologia do Levítico
mostra a criação como serva do Criador. Por esse motivo, os animais e os
vegetais, em Israel, não eram adorados, mas serviam para glorificar a Deus.
1.
No Egito, os animais eram deuses.
Os egípcios não faziam
distinção entre o Criador e a criação, nem estavam preocupados em distinguir os
animais limpos dos impuros. Por isso, adoravam o boi, o crocodilo, o falcão e até
o gato (Rm 1.25). Eis porque Deus, ao punir o Egito com as dez pragas, mostrou
quão inúteis eram os deuses egípcios.
O panteão egípcio,
diferentemente do grego, parecia mais um zoológico do que um depósito de
deuses. Examinemos o caso de Thot. Patrono dos estudos, da escrita e dos
cálculos, era representado por um homem com uma imensa cabeça de macaco. No
Levítico, o babuíno nem mencionado é. Mas os egípcios veneravam-no como
divindade.
2.
Os animais e a adoração a Deus.
Ao contrário dos egípcios,
os israelitas não se davam ao culto dos animais. Mas os apresentavam em
sacrifício ao Senhor (Lv 1.2). Além disso, faziam distinção entre os animais
limpos e impuros (Lv 11). O povo de Israel sabia que os animais não são deuses,
e, sim, criaturas do Deus que as sustenta (Sl 104.14).
Quanto aos egípcios, tinham
eles como deus o boi que, em sua mitologia, representava dois deuses: Osíris e
Ptá. A primeira divindade era, às vezes, descrita como um morto-vivo; um amedrontador
zumbi. Em Israel, de acordo com as recomendações levíticas, o gado vacum tinha
apenas três finalidades: trabalho, alimentação e adoração ao Senhor.
Lembremo-nos do carneiro. Na
mitologia faraônica, era o deus Knum, cuja função era moldar, qual oleiro, a
aparência de deuses e dos homens. No sistema levítico, iria logo para o altar,
quer para representar um sacrifício pacífico, quer para oficiar uma oferenda
pelo pecado.
3.
Os vegetais e a adoração a Deus.
O mesmo Deus que preconiza a
preservação da natureza condena a sua idolatria; prática corriqueira entre os antigos
cananeus (1 Rs 14.23). Já em Israel, os frutos da terra serviam para duas
coisas: nutrir o povo e adorar a Deus; gratidão àquEle que “[faz] a terra dar a
sua messe e, a árvore do campo, o seu fruto” (Lv 23.10; 26.4,5, ARA).
Que Deus nos guarde da
idolatria. Às vezes, sem o percebermos, tornamo-nos tão idólatras quanto os
egípcios do Faraó. Se retivermos o fruto da terra, e deixarmos o faminto
perecer de fome, o que é isso senão avareza; abjeta idolatria (Cl 3.5)? A Terra
é do Senhor. Logo, todas as suas novidades e produtos lhe pertencem. Então, que
tudo seja-lhe apresentado em ações de graça.
Fonte: ANDRADE de.
Claudionor. Adoração, Santidade e Serviço. Os princípios de Deus para a sua
Igreja em Levítico 1ª edição: Abril/2018
- CPAD