Levar
em conta os ciclos do tempo é uma necessidade absoluta para organizar a vida
humana. Os camponeses têm de saber quando arar e plantar, quando choverá e
quando não choverá e por quanto tempo devem conservar as sementes para a próxima
colheita.
Os pastores têm de aprender quando
é o tempo de tosquiar as ovelhas. Os marinheiros necessitam fazer seus planos
de viagem com base no tempo e nos ventos que são esperados em cada época do
ano. Os caçadores precisam saber quando será a Lua cheia.
Aqueles
que se dedicam à pesca têm de conhecer tanto as fases da Lua quanto os ritmos
das marés. E as cerimônias religiosas têm de ocorrer nos momentos apropriados,
relacionados com os ciclos das colheitas e do clima.
SAIBA MAIS:
O calendário do Antigo e Novo Testamento
A Mordomia do Tempo
1. O TEMPO É MEDIDO EM TERMOS DE CICLOS
Quando
refletimos acerca de todos esses exemplos, a primeira coisa que observamos é
que o tempo é medido em termos de ciclos. Certamente, o tempo tem uma dimensão
linear, visto que o passado nunca voltará nem se repetirá, e, em termos
absolutos, todo futuro carecerá de precedentes. Porém, o que suscita a maior
importância para a vida cotidiana não é o que se passou há mil anos nem o que
acontecerá no próximo século, mas como será o dia de amanhã, a próxima semana,
o mês que vem — se o Sol brilhará, quando fará frio, se vai chover ou não…
Tal
conhecimento, fundamentado em experiências de gerações e gerações, será cíclico
por sua própria natureza. Em um âmbito mais básico, passada a noite, vem a
madrugada; após a madrugada, vem a manhã, o meio-dia, a tarde, o anoitecer, a
noite e uma nova madrugada.
Em
outro âmbito, encontra-se o ciclo das estações, que são governadas pelo Sol,
algumas vezes diretamente, outras indiretamente, como ocorre com as inundações
do rio Nilo ou com as monções.
2. OS DIAS DA SEMANA
Contudo,
esses dois ciclos, o dos dias e o dos anos, não bastam para o ordenamento da
vida social e econômica. O primeiro é demasiado breve, e o segundo, demasiado
longo. Daí a necessidade de criar-se ciclos intermediários que normalmente
chamamos de semanas e meses.
Desde
a semana de três dias dos bascos, passando pela de dez dias dos antigos
chineses e egípcios e chegando até a de treze dias dos astecas, toda
civilização necessita de uma forma de contar os dias a fim de organizar sua
vida econômica, social e religiosa. Como parte de seu “culto à razão”, a
Revolução Francesa propôs um calendário supostamente mais racional, com semanas
de dez dias; porém logo ficou claro que a tradição de uma semana de sete dias
estava demasiadamente arraigada na mente popular, além do fato de que os corpos
celestes negavam-se a seguir os ciclos que os franceses acreditavam ser
razoáveis!
A ORIGEM DA SEMANA DE SETE DIAS
A
semana de sete dias que agora conhecemos parece ter-se originado entre os
antigos povos semitas e mesopotâmicos. Certamente, tinha um papel importante na
vida dos hebreus — tema ao qual voltaremos. Todavia, era também uma
característica de outras culturas e civilizações na própria Mesopotâmia e na
direção do seu lado ocidental. A maioria dos eruditos vê certa conexão entre o
ciclo lunar, que dura aproximadamente 28 dias, e a semana de sete dias, que
corresponderia, então, a cada uma das quatro fases da Lua.
3. CALENDÁRIO BABILÔNICO
Sabemos
que, já no século VI a.C., o calendário babilônico estava organizado em torno
de um ciclo lunar de 28 dias que começava com a Lua nova e dividia-se em quatro
semanas, sendo que cada uma delas terminava com um dia especial: o sétimo, o
décimo quarto, o vigésimo primeiro e o vigésimo oitavo. Tais dias especiais
eram considerados maus para os negócios e sagrados a ponto de serem, às vezes,
concebidos como malignos ou, pelo menos, não auspiciosos.
Entretanto,
a Lua não cooperava de modo algum, visto que seu ciclo não dura, na verdade, 28
dias, porém um pouco mais. Portanto, isso requeria que se fizessem algumas
correções estendendo a última semana de alguns meses a oito ou até mesmo nove
dias. Os dias da típica semana de sete dias recebiam nomes conforme os astros
mais próximos: o Sol, a Lua e os cinco planetas visíveis ao olho humano.
4. OS CALENDÁRIOS DA GRÉCIA
Os
calendários da Grécia antiga eram reconhecidamente confusos, pois cada
cidade-estado tinha seu próprio calendário e, em alguns casos, até mais de um.
Por exemplo, Atenas tinha três calendários diferentes, e cada um deles
aplicava-se a um aspecto particular da vida: os festivais religiosos, a
política e a agricultura. Essa confusão perdurou até o período helenista,
quando as conquistas de Alexandre estreitaram as relações entre a Grécia e as
regiões da Mesopotâmia e da Síria, e os calendários mais racionais dessas
outras regiões começaram a ganhar espaço na Grécia. Nesse processo, os antigos
nomes babilônicos foram traduzidos para o grego, e, consequentemente, os sete
dias passaram a ser dedicados pela ordem ao Sol, à Lua, a Ares, a Hermes, a
Zeus, à Afrodite e a Cronos.
5. OS ANTIGOS ROMANOS
Enquanto
isso, os antigos romanos tinham uma semana de oito dias, em que o último deles
era dedicado ao mercado, quando os produtos do campo eram trazidos para serem
vendidos na cidade. Isso foi regulamentado no século III a.C. com a proibição
de certas atividades que poderiam conflitar com os dias de mercado — sobretudo
as eleições.
No ano 45 a.C., Júlio César reformou
o calendário romano com o propósito de aproximá-lo mais do ano solar, mas
oficialmente não adotou a semana de sete dias, que, à época, já era comum nas
regiões orientais de seu império. Não obstante, dada a grande influência da
cultura helenista sobre a Roma imperial, já nos tempos de Augusto César, a
semana de sete dias vinha se impondo, em parte porque parecia corresponder de maneira
mais próxima aos ciclos lunares e em parte para imitar o que já era comum no
Oriente. Isso levou à tradução para o latim dos nomes dos sete dias, agora
correspondentes ao Sol, à Lua, a Marte, a Mercúrio, a Júpiter, a Vênus e a
Saturno.
Porém,
ainda se usava a semana de oito dias concorrendo e conflitando com a de sete.
Já no início do século III, a semana de sete dias tornara-se normativa, embora
ainda restassem algumas reminiscências da semana de oito dias. Até o ano 321,
quando Constantino abandonou oficialmente a semana de oito dias e adotou a de
sete, a semana de oito dias já havia caído em completo desuso.
6. O CALENDÁRIO HEBRAICO E O SÁBADO
Muito
se debateu e ainda se debate acerca das origens do calendário hebraico e de
suas relações com os outros calendários, particularmente os mesopotâmicos.
Contudo, não há dúvida de que, como a maioria dos calendários do Oriente Médio,
o hebraico baseava-se no número sete e seus múltiplos. A unidade fundamental era a semana, que
culminava no sétimo dia, o sábado.
Depois
de sete semanas, isto é, uma semana de semanas, havia um quinquagésimo dia
especial de celebração. Por essa razão, os historiadores referem-se a essa
classe de calendário como “pentacontádico”, palavra derivada do grego “pentacôntada”,
que quer dizer cinquenta. Assim, o ano incluía sete “pentacôntadas”, que
resultava em 350 dias. Dessa maneira, o total de 365 dias alcançava-se
acrescentando uma semana festiva especial depois da quarta “pentacôntada”,
outra depois da sétima e um dia extra após a última semana (200 + 7 + 150 + 7
+1 = 365).
O
dia especial depois da sétima “pentacôntada” era uma grande celebração que
marcava a colheita dos primeiros cereais e sua apresentação como sacrifício
diante de Deus. A semana imediatamente a seguir, antes da próxima
“pentacôntada”, era um festival da colheita que depois veio a ser a Festa dos
Tabernáculos.
A
outra semana especial, que seguia após a quarta
“pentacôntada”, era quando se celebrava a Páscoa, em comemoração à libertação
dos filhos de Israel do jugo do Egito. Durante esse festival, tudo o que
sobrava da última colheita era consumido ou destruído em preparação para a
colheita que teria de ocorrer durante a primeira “pentacôntada”.
O
princípio de estruturar o calendário em torno do número sete ia muito além do
próprio ano, já que cada sétimo ano, isto é, cada semana de anos, era um ano
sabático, e após sete anos sabáticos, isto é, uma semana de anos, completando
uma “pentacôntada” de anos — viria o ano do jubileu.
Não
era somente entre o povo hebreu que o número sete tinha tamanha importância. Em
toda a vasta região que se estendia desde Canaã até a Mesopotâmia, o número
sete era considerado particularmente mau ou maldito — a tal ponto que, ainda no
século XXI, há quem viva nessa região e ainda o considere um número de má
sorte, pelo que nem sequer se pronuncia o seu nome. Visto que o sétimo dia era
mau, a pessoa devia abster-se de toda tarefa ou qualquer atividade que pudesse
causar um acidente ou algum dano. Entre os povos antigos de toda a região, a
razão para descansar no sétimo dia não era uma observância religiosa, e o
próprio dia não tinha nada de gozo. Logo, o que Israel fez foi adaptar o
calendário das nações ao seu redor, mudando sua natureza para que se ajustasse
a sua fé, e, consequentemente, o sétimo dia, originalmente um dia de luto e
temor, veio a ser um dia de gozo e celebração, bem como um dia dedicado ao
estudo das Escrituras. Isso foi um longo pro cesso, pois, aparentemente, no
início, o descanso sabático aplicava-se somente ao trabalho agrícola, mas que
logo foi se estendendo a outras atividades. Agora que era um dia de lazer abençoado
por Deus, via-se o sétimo dia como um tempo de gozo e celebração.
Além
disso, passou a ser um dia de descanso não somente para os que seguiam a
religião de Israel, como também para todo aquele que deles dependiam — os escravos,
peregrinos, animais e terras.
7. O SÁBADO NA TRADIÇÃO JUDAICA
Na
tradição judaica, o sábado tinha tanta importância que o restante da semana era
contado a partir deste ponto principal: o primeiro dia depois do sábado, o
segundo depois do sábado e assim sucessivamente.
Ainda,
o sábado dominava a semana de tal modo que, às vezes, era usado como sinônimo
para todo o período que vai de sábado a sábado, ou seja, a semana. Isso pode
ser verificado em Lucas 18.12, no qual o que normalmente se traduz como “duas
vezes na semana” diz literalmente “duas vezes a cada sábado”.
Embora
o sábado tivesse grande importância religiosa, porquanto se fundamentava no
mandamento divino, não se tratava de um dia dedicado particularmente à adoração
formal, a qual normalmente acontecia no Templo, e, portanto, não estava
frequentemente acessível àqueles que não viviam nas cercanias de Jerusalém.
Além disso, a queda de Jerusalém, o exílio na Babilônia e a contínua dispersão
dos judeus por todos os territórios dos impérios persa e romano fizeram com que
a ida ao culto no Templo ficasse inviável para a maioria dos judeus, o que deu
maior importância às reuniões que eram realizadas para cultuar a Yahweh em
âmbito local.
O
dia de descanso, dedicado como era para ler e estudar as Escrituras e para
recordar e celebrar o pacto de Deus com Israel, mostrava-se ser o dia mais
propício para tais reuniões. Isso provocou o crescimento das sinagogas nas
quais os judeus reuniam-se no sábado para adorar a Deus e para ler as
Escrituras, mas onde não havia sacrifícios, haja vista que a sinagoga não era
um templo.
8. O RETORNO DO EXÍLIO BABILÔNICO
Após
o retorno do exílio babilônico, quando o Templo foi reconstruído, a sinagoga
continuou existindo como uma instituição paralela não somente em lugares
distantes, mas também na própria Judeia — como se pode constatar nos evangelhos
e em Atos.
Ao
passo que os grandes festivais religiosos eram celebrados no Templo e era
somente nele que os sacrifícios eram oferecidos, as observâncias religiosas do
sábado e o culto na sinagoga estavam à disposição do povo de Israel disperso
por todas as partes, o que não acontecia com o próprio Templo. Por isso, nos
tempos de Jesus, o sábado tornara-se não somente um dia de descanso, como
também o dia especial para o culto, a tal ponto que, quando o templo foi
destruído no ano 70 d.C., o judaísmo pôde continuar e até florescer graças à
sinagoga e às observâncias do sábado.
Dadas
suas origens históricas, não nos surpreende o fato de que existisse durante
toda a história de Israel certa tensão entre o sábado como dia de gozo e
celebração e o sábado como um dia de observância tão estrita que chegava a ser
um fardo em vez de uma experiência libertadora.
Como
frequentemente ocorre em toda tradição religiosa, logo surgiu uma tendência
para a codificação minuciosa e legalista. Assim, na Mishná, há uma lista
de 39 atividades proibidas nas quais se incluem coisas como arar, ceifar,
costurar e até atar nós.
Isso,
porém, não bastava, uma vez que foi necessário determinar em que consistia um
nó, e isso levou alguns a concluir que aquilo que podia ser amarrado com uma só
mão não era um nó. Havia, porém, ao mesmo tempo, uma contracorrente que
ressaltava a natureza libertadora e reconfortante do sábado, cujas proibições
referiam-se ao gozo e ao descanso, e não a privações religiosas.
Tudo
isso se apresenta no contexto dos repetidos conflitos de Jesus com os anciãos e
os chefes da sinagoga cujas ações e regulamentações pareciam privar o sábado de
seu caráter gozoso e de sua ênfase em proporcionar gozo e bem-estar a outros:
os servos, os peregrinos, os animais, os campos e todos os famintos, os
enfermos e sofredores.
Autor:
Justo L. González do livro UMA BREVE HISTÓRIA DO DOMINGO| Editora:
Casa Publicadora das Assembleias de Deus
DICAS
DE CURSOS BÍBLICOS