Introdução
Falando
sobre a santificação, a declaração de fé assembleiana em seu capítulo X (no
ponto 3), nos fala sobre o processo de santificação na vida do crente.
Assim
está escrito:
Ensinamos que, já salvo, justificado e adotado como
filho de Deus, o novo crente entra, de imediato, no processo de santificação,
pois assim o requer a sua nova natureza em Cristo: “agora, libertados do pecado
e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a
vida eterna” (Rm 6.22); “esta é a vontade de Deus, a vossa santificação: que
vos abstenhais da prostituição” (1 Ts 4.3). Todos os crentes em Jesus são
chamados santos (1Co 1.2). Santificação é o ato de separar-se do pecado e
dedicar-se a Deus (Rm 12.1,2). Ele exige santidade de seus filhos: “como é
santo aquele que vos chamou sede vós também santos em toda a vossa maneira de
viver, porquanto escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1 Pe
1.15,16); pois sem a santificação ninguém verá o Senhor: “Segui a paz com todos
e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14).
I-
NATUREZA DA SANTIFICAÇÃO
Em estudo anterior
afirmamos que a chave do significado da doutrina da expiação, encontrada no
Novo Testamento, acha-se no rito sacrificial do Antigo Testamento. Da mesma
forma chegaremos ao sentido da doutrina do Novo Testamento sobre a
santificação, pelo estudo do uso no Antigo Testamento da palavra
"santo".
Primeiramente,
observa-se que "santificação", "santidade", e
"consagração" são sinônimos, como o são: "santificados" e
"santos". Santificar é a mesma coisa que fazer santo ou consagrar. A
palavra "santo" tem os seguintes sentidos:
1. Separação.
"Santo"
é uma palavra descritiva da natureza divina. Seu significado primordial é
"separação”; portanto, a santidade representa aquilo que está em Deus que
o toma separado de tudo quanto seja terreno e humano — isto é, sua perfeição
moral absoluta e sua divina majestade.
Quando o Santo deseja
usar uma pessoa ou um objeto para seu serviço, ele separa essa pessoa ou aquele
objeto do seu uso comum, e, em virtude dessa separação, a pessoa ou o objeto
toma-se "santo".
2. Dedicação.
Santificação
inclui tanto a separação de, como dedicação a alguma coisa; essa é "a
condição dos crentes ao serem separados do pecado e do mundo e feitos
participantes da natureza divina, e consagrados à comunhão e ao serviço de Deus
por meio do Mediador".
A palavra "santo" é mais usada em conexão com o
culto. Quando referente aos homens ou objetos, ela expressa o pensamento de que
esses são usados no serviço divino e dedicados a Deus, no sentido especial de
serem sua propriedade. Israel é uma nação santa, por ser dedicada ao serviço de
Jeová; os levitas são santos por serem especialmente dedicados aos serviços do
tabernáculo; o sábado e os dias de festa são santos porque representam a
dedicação ou consagração do tempo a Deus.
3. Purificação.
Embora
o sentimento primordial de "santo" seja separação para serviço,
inclui também a ideia de purificação. O caráter de Jeová age sobre tudo que lhe
é consagrado. Portanto, os homens consagrados a ele participam de sua natureza.
As coisas que lhe são dedicadas devem ser limpas. Limpeza é uma condição de
santidade, mas não a própria santidade, que é, primeiramente, separação e
dedicação.
Quando Jeová escolhe
e separa uma pessoa ou um objeto para o seu serviço, ele opera ou faz com que
aquele objeto ou essa pessoa se torne santo. Objetos inanimados foram
consagrados pela unção do azeite (Êx 40.9-11). A nação israelita foi
santificada pelo sangue do sacrifício da aliança (Êx 24.8. Ver Hb 10.29). Os
sacerdotes foram consagrados pelo representante de Jeová, Moisés, que os lavou
com água, ungiu-os com azeite e aspergiu-os com o sangue de consagração (Ver Lev.,
cap. 8).
Como os sacrifícios
do Velho Testamento eram tipos do sacrifício único de Cristo, assim as várias
abluções e unções do sistema mosaico são tipos da verdadeira santificação que
alcançamos pela obra de Cristo. Assim como Israel foi santificado pelo sangue
da aliança, assim "também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio
sangue, padeceu fora da porta" (Hb 13.12).
Jeová santificou os
filhos de Arão para o sacerdócio pela mediação de Moisés e o emprego de água,
azeite e sangue. Deus o Pai (1 Ts 5.23) santifica os crentes para um sacerdócio
espiritual (1 Pe 2.5) pela mediação do
Filho (1Co 1.2,30; Ef 5.26; Hb 2.11), por meio da Palavra (João 17.17; 15.3),
do sangue (Hb 10.29; 13.12) e do Espírito (Rm 15.16; 1 Co 6.11; 1 Pe 1.2).
4. Consagração.
A
consagração no sentido de viver uma vida santa e justa. Qual a diferença entre
justiça e santidade? A justiça representa a vida regenerada em conformidade com
a lei divina; os filhos de Deus andam retamente (1 João 3.6-10). Santidade é a
vida regenerada em conformidade com a natureza divina e dedicada ao serviço
divino; isto pede a remoção de qualquer impureza que estorve esse serviço.
"Mas como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a
vossa maneira de viver" (1 Pe 1.15). Assim a santificação inclui a remoção
de qualquer mancha ou sujeira que seja contrária à santidade da natureza
divina.
Em seguida à
consagração de Israel surge, naturalmente, a pergunta: "Como deve viver um
povo santo?" A fim de responder a essa pergunta, Deus deu-lhes o código de
leis de santidade que se acham no livro de Levítico. Portanto, em consequência
da sua consagração, seguiu-se a obrigação de viver uma vida santa. O mesmo se
dá com o cristão. Aqueles que são declarados santos (Hb 10.10) são exortados a
seguir a santidade (Hb 12.14); aqueles que foram purificados (1 Co 6.11) são
exortados a purificar-se a si mesmos (2 Co 7.1).
5. Serviço.
A
aliança é um estado de relação entre Deus e os homens no qual ele é o Deus
deles e eles o seu povo, o que significa um povo adorador. A palavra
"santo" expressa essa relação contratual. Servir a Deus, nessa
relação, significa ser sacerdote; por conseguinte, Israel é descrito como nação
santa e reino de sacerdotes (Êx 19.6). Qualquer impureza que venha a desfigurar
essa relação precisa ser lavada com água ou com o sangue da purificação.
Da mesma maneira os
crentes do Novo Testamento são "santos", isto é, um povo santo
consagrado. Pelo sangue da aliança tornaram-se "sacerdócio real, a nação
santa... sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a
Deus por Jesus Cristo" (1 Pe 2.9,5); oferecem o sacrifício de louvor (He
13.15) e dedicam-se como sacrifícios vivos sobre o altar de Deus (Rm 12.1).
Assim vemos que o
serviço é elemento essencial da santificação ou santidade, pois é esse o único
sentido em que os homens podem pertencer a Deus, isto é, como seus adoradores
que lhe prestam serviço. Paulo expressou perfeitamente esse aspecto da
santidade quando disse acerca de Deus: "De quem eu sou, e a quem
sirvo" (Atos 27.23). Santificação envolve ser possuído por Deus e servir a
ele.
II - O
TEMPO DA SANTIFICAÇÃO
A santificação reúne:
1) ideia de posição perante Deus e instantaneidade; 2) prática e progressiva.
1. Posicional e
instantânea.
A
seguinte declaração representa o ensino dos que aderem à teoria de santificação
da "segunda obra definida", feita por alguém que ensinou essa
doutrina durante muitos anos:
Supõe-se que a
justificação é obra da graça pela qual os pecadores, ao se entregarem a Cristo,
são feitos justos e libertados dos hábitos pecaminosos. Mas no homem meramente
justificado permanece um princípio de corrupção, uma árvore má, "uma raiz
de amargura", que continuamente o provoca a pecar. Se o crente obedece a
esse impulso e deliberadamente peca, ele perde sua justificação; segue-se
portanto, a vantagem de ser removido esse impulso mau, para que diminua a
possibilidade de se desviar. A extirpação dessa raiz pecaminosa é santificação.
Portanto, é a purificação da natureza de todo pecado congênito pelo sangue de
Cristo (aplicado pela fé ao realizar-se a plena consagração), e o fogo
purificador do Espírito Santo, o qual queima toda a escória, quando tudo é
depositado sobre o altar do sacrifício. Isso, e somente isso, é verdadeira
santificação — a segunda obra definida da graça, subsequente à justificação, e
sem a qual essa justificação provavelmente se perderá.
A definição supra
citada ensina que a pessoa pode ser salva ou justificada sem ser santificada.
Essa teoria, porém, é contrária ao ensino do Novo Testamento.
O apóstolo Paulo
escreve a todos os crentes como a "santos" (literalmente, "os
santificados") e como já santificados (1 Co 1.2; 6.11). Mas essa carta foi
escrita para corrigir esses cristãos por causa de sua carnalidade e pecados
grosseiros (1 Co 3.1; 5.1,2,7,8). Eram "santos" e "santificados
em Cristo", mas alguns desses estavam muito longe de ser exemplos de
cristãos na conduta. Foram chamados a ser santos, mas não se portavam dignos
dessa vocação santa.
Segundo o Novo
Testamento existe, pois, um sentido em que a santificação é simultânea com a
justificação.
2. Prática e
progressiva.
Mas
será que essa santificação consiste somente em ser conferida a posição de
santos? Não, essa separação inicial é apenas o começo duma vida progressiva de
santificação. Todos os cristãos são separados para Deus em Jesus Cristo; e
dessa separação surge a nossa responsabilidade de viver para ele. Essa
separação deve continuar diariamente: o crente deve esforçar-se sempre para
estar conforme à imagem de Cristo. "A santificação é a obra da livre graça
de Deus, pela qual o homem todo é renovado segundo a imagem de Deus,
capacitando-nos a morrer para o pecado e viver para a justiça." Isso não
quer dizer que vamos progredir até alcançar a santificação e, sim, que
progredimos na santificação da qual já participamos.
A santificação é
posicional e prática — posicional em que é primeiramente uma mudança de posição
pela qual o imundo pecador se transforma em santo adorador; prática porque
exige uma maneira santa de viver. A santificação adquirida em virtude de nova
posição, indica-se pelo fato de que todos os coríntios foram chamados
"santificados em Cristo Jesus, chamados santos" (1 Co 1.2).
A santificação
progressiva está implícita no fato de alguns serem descritos como
"carnais" (1 Co 3.3), o que significa que sua presente condição não
estava à altura de sua posição concedida por Deus. Em razão disso, foram
exortados a purificar-se e assim melhorar sua consagração até alcançarem a
perfeição. Esses dois aspectos da santificação estão implícitos no fato de que
aqueles que foram tratados como santificados e santos (1 Pe 1.2; 2.5), são exortados
a serem santos (1 Pe 1.15). Aqueles que estavam mortos para o pecado (Cl 3.3)
são exortados a mortificar (fazer morto) seus membros pecaminosos (Cl 3.5). Aqueles que se despiram do homem velho
(Cl 3.9) são exortados a vestirem-se ou revestirem-se do homem novo (Ef 4.22;
Cl 3.8).
III -
MEIOS DIVINOS DE SANTIFICAÇÃO
São meios divinamente
estabelecidos de santificação: o sangue de Cristo, o Espírito Santo e a Palavra
de Deus. O primeiro proporciona, primeiramente', a santificação absoluta,
quanto à posição perante Deus. É uma obra consumada que concede ao pecador
penitente uma posição perfeita em relação a Deus. O segundo meio é interno,
efetuando a transformação da natureza do crente. O terceiro meio é externo e
prático, e diz respeito ao comportamento do crente. Dessa forma, Deus fez
provisão tanto para a santificação interna como externa.
1. O sangue de Cristo
(Hb 13.12; 10.10,14; 1João 1.7).
Em
que sentido seria a pessoa santificada pelo sangue de Cristo? Em resultado da
obra consumada de Cristo, o pecador penitente é transformado de pecador impuro
em adorador santo. A santificação é o resultado dessa "maravilhosa obra
redentora do Filho de Deus, ao oferecer-se no Calvário para aniquilar o pecado
pelo seu sacrifício. Em virtude desse sacrifício, o crente é eternamente
separado para Deus; sua consciência é purificada, e ele próprio é transformado
de pecador impuro, em santo adorador, unido em comunhão com o Senhor Jesus
Cristo; pois, "assim o que santifica, como os que são santificados, são
todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos" (Hb
2.11).
Que haja um aspecto
contínuo na santificação pelo sangue, infere-se de 1 João 1.7: "O sangue
de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado." Se houver
comunhão entre o santo Deus e o homem, necessariamente terá que haver uma
provisão para remover a barreira de pecado, que impede essa comunhão, uma vez
que os melhores homens ainda assim são imperfeitos. Ao receber Isaías a visão
da santidade de Deus, ele ficou abatido ao perceber a sua falta de santidade; e
não estava em condições de ouvir a mensagem divina enquanto a brasa do altar
não purificasse seus lábios. A consciência do pecado ofusca a comunhão com
Deus; confissão e fé no eterno sacrifício de Cristo removem essa barreira. (1
João 1.9.)
2. O Espírito Santo
[Santificação Interna] (1 Co 6.11; 2 Ts 2.12; 1 Pe 1.1,2; Rm 15.16) .
Nessas
passagens a santificação pelo Espírito Santo é apresentada como o início da
obra de Deus nos corações dos homens, conduzindo-os ao inteiro conhecimento da
justificação pela fé no sangue aspergido de Cristo. Tal qual o Espírito pairava
por cima do caos original (Gn 1.2), seguindo-se o estabelecimento da ordem pelo
Verbo de Deus, assim o Espírito paira sobre a alma humana, fazendo-a abrir-se
para receber a luz e a vida de Deus. (2 Co 4.6).
O capítulo 10 de Atos
proporciona uma ilustração concreta da santificação pelo Espírito Santo.
Durante os primeiros anos da igreja, a evangelização dos gentios retardou-se
visto que muitos cristãos-judeus consideravam os gentios como
"imundos", e não-santificados por causa de sua não conformidade com
as leis alimentares e outros regulamentos mosaicos. Exigia-se uma visão para
convencer a Pedro que aquilo que o Senhor purificara ele não devia tratar de
comum ou impuro. Isso importava em dizer que Deus fizera provisão para a
santificação dos gentios para serem o seu povo. E quando o Espírito de Deus
desceu sobre os gentios, reunidos na casa de Cornélio, já não havia mais dúvida
a respeito. Eram santificados pelo Espírito Santo, não importando se obedeciam
ou não às ordenanças mosaicas (Rm 15.16), e Pedro reptou os judeus que estavam
com ele a negarem o símbolo exterior (batismo nas águas) de sua purificação espiritual
(Atos 10.47; 15.8).
3. A Palavra de Deus
[Santificação externa e prática] (João 17.17; Ef 5.26; João 15.3; Sl 119.9; Tg
1.23-25.)
Os
cristãos são descritos como sendo "gerados pela Palavra de Deus"(1Pe
1.23). A Palavra de Deus desperta os homens a compreenderem a insensatez e
impiedade de suas vidas. Quando dão importância à Palavra arrependendo-se e
crendo em Cristo, são purificados pela Palavra que lhes fora falada. Esse é o
início da purificação que deve continuar através da vida do crente. No ato de
sua consagração ao ministério, o sacerdote israelita recebia um banho
sacerdotal completo, banho que nunca se repetia; era uma obra feita uma vez
para sempre. Todos os dias porém, era obrigado a lavar as mãos e os pés. Da
mesma maneira, o regenerado foi lavado (Tito 3.5); mas precisa uma separação
diária das impurezas e imperfeições conforme lhe forem reveladas pela Palavra
de Deus, que serve como espelho para a alma (Tg 1.22-25). Deve lavar as mãos,
isto é, seus atos devem ser retos; deve lavar os pés, isto é, "guardar-se
da imundície que tão facilmente se apega aos pés do peregrino, que anda pelas
estradas deste mundo".
A
verdadeira santificação requer as seguintes coisas do crente:
1) mantenha profunda comunhão com Cristo (Jo
15.4 ),
2)
mantenha comunhão com os crentes (Ef 4.15,16),
3)
dedique-se à oração (Mt 6.5-13; Cl 4.2),
4)
obedeça à Palavra de Deus (Jo 17.17),
5)
tenha consciência da presença e dos cuidados de Deus (Mt 6.25-34),
6)
ame a justiça e odeie a iniquidade (Hb 1.9),
7)
mortifique o pecado (Rm 6),
8)
submeta-se à disciplina de Deus (Hb 12.5-11),
9)
continue em obediência e
10)
seja cheio do Espírito Santo (Rm 8.14; Ef 5.18).