Obs. Subsídio para a
classe de Jovens. Lição 13 – 2° trimestre de 2019.
OBJETIVOS
• APRESENTAR Jesus como um
exemplo de humildade;
• COMPREENDER o diálogo entre
Jesus e Pedro ante a atitude do Mestre de lavar os pés dos discípulos;
• REFLETIR a respeito da
motivação de Jesus no ato de lavar os pés dos discípulos.
I. Jesus, um Exemplo de Humildade
O Evangelho de João, também conhecido
como Quarto Evangelho, é bem diferente dos anteriores, chamados de sinóticos
(Marcos, Mateus e Lucas) devido às semelhanças entre eles (synopsis = visão de
conjunto). No Evangelho de João, Jesus fala principalmente de si mesmo e de sua
relação com o Pai. Em João, Jesus não apresenta nenhuma parábola, não anuncia o
Reino de Deus, mas declara que nEle as pessoas são convidadas a perceber o
Reino por meio dos sinais que Ele realiza (Jo 1.9-14; 20.30,31). Os sinais em
João têm estreita relação com a fé (Jo 2.11,23; 3.2; 4.54; 7.31; 10.41; 11.47;
12.37; 20.30). Após a realização dos sinais, a crença em Jesus é narrada por
muitas pessoas. Para Vancells (1989, pp. 37,38), “os sinais são uma manifestação
da glória para aqueles que estão dispostos a penetrar no mistério de Jesus”.
Ele argumenta que esse é o motivo de o Evangelho de João enfatizar, “muito mais
do que os sinóticos, o elemento extraordinário que envolve as ações de Jesus:
Lázaro já estava morto há quatro dias, o cego era cego de nascença, o doente da
piscina estava doente há trinta e oito anos”.
O Evangelho de João apresenta a
seguinte estrutura:
TEXTO
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TEMA
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1.1-18
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Hino a Jesus, a Palavra que se fez carne
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1.19—12.50
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O “Livro dos Sinais”
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13.1—20.29
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O “Livro da Glória”
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20.30,31
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O propósito do evangelho
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21.1-25
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As aparições do ressuscitado na Galileia
|
O Evangelho de João tem início com um
poema que apresenta a Palavra de Deus que se toma carne por meio da encarnação
de Jesus, sendo, portanto, a melhor maneira de revelar o Pai, o mais profundo
que se pode conhecer de Deus. O Livro dos Sinais (Jo 1.19—12.50) apresenta sete
sinais intercalados por blocos discursivos para apresentar as últimas raízes
dos sinais e mostrar o seu sentido revelador, ou seja, a visão teológica do
autor. Em João 20.30,31, ele apresenta o objetivo do evangelho e deixa claro
que tinha muitos outros materiais a respeito de Jesus à sua disposição, mas que
escolheu os conteúdos para a composição de sua obra, de acordo com o objetivo
teológico da escrita do evangelho. De todos os atos de Jesus, ele seleciona
sete para servir como sinais e trazer sentido ao objetivo do evangelho: “[...]
para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31). A intenção é falar de atos poderosos de
Jesus e mostrar a presença da mão poderosa de Deus para afirmar que Jesus é a
plenitude da revelação salvadora de Deus. Brown (2004, p. 446) afirma que, em
João, “obras e sinais são feitos miraculosos que manifestam quem é Jesus, seu
objetivo e sua relação com o Pai”.
O Livro da Glória (13.1—20.29) recebe esse
nome pela forma como a narrativa joanina transforma os relatos, aparentemente
negativos, que levaram à morte de Jesus em processo de desmascaramento dos
poderes do mundo com a confirmação de que a obra de Deus estava se realizando
plenamente como previsto e para a salvação da humanidade (17.1; 19.30). O Livro
da Glória trata dos últimos dias de Jesus desde a ceia particular com os
discípulos até os dias que sucederam sua ressurreição. A unidade está dividida
em duas subunidades. Na primeira, os capítulos de 13 a 17 do Livro da Glória
iniciam com a mudança de um ambiente externo, com locomoções para vários
lugares e diálogos com diversos personagens, para um ambiente reservado com os
seus discípulos. E o lugar da última refeição de Jesus com seus discípulos.
A refeição inicia-se com um gesto de
humildade (lava-pés) que suscitará um longo discurso, além de alertas sobre os
desafios e riscos que seus discípulos iriam enfrentar como suas testemunhas.
Foram palavras de ânimo aos discípulos à medida que Jesus anuncia sua vitória
sobre os poderes do mundo, apesar das aparências arrogantes de seus
representantes (16.33). Na segunda subunidade, os capítulos 18 a 20 do Livro da
Glória abordam a morte e ressurreição de Jesus. Em seguida, o Evangelho é
concluído com a apresentação do propósito de sua escrita e as narrativas das
aparições do Jesus ressurreto na região da Galileia.
Simbologia da Páscoa e o gesto de Jesus
lavar os pés de seus discípulos O capítulo 13 tem início com a referência a
mais importante festa para os judeus, a Páscoa. O ambiente judaico da Páscoa
era de memória à libertação nacional do povo, mas que se havia tornado
celebrações ritualísticas e vazias, sem prática do amor. Jesus está por
apresentar a sua própria Páscoa (Última Ceia), sabendo que estava chegando a
hora de ser oferecido como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo
1.29). Esse era o grande conflito entre o projeto anunciado por Jesus (amor ao
próximo e o serviço) que estava por ser concretizado e o projeto de poder do
Império Romano (orgulho, opressão e desumanização). Enquanto os hebreus
comemoravam a passagem da escravidão para uma terra livre celebrando a festa da
Páscoa, João afirma que Jesus fez a passagem do mundo para o Pai por meio de
sua entrega por amor, um amor extremo realizado na sua plenitude, pois Ele
“amou-os até ao fim”.
A celebração da Páscoa está ligada
diretamente com a partilha do pão. O evangelista faz questão de destacar a
presença de um traidor na celebração, Judas. Para haver uma vida compartilhada
de forma plena, não pode haver traidores do projeto no meio da comunidade, mas,
infelizmente, essa presença ainda se repete. Pessoas continuam participando das
celebrações e liturgias, porém distantes de Deus e de seu projeto, em busca de
seus próprios interesses. Por isso, Paulo orienta os membros da Igreja em
Corinto para examinar se estão vivendo o projeto do amor ágape, da
solidariedade. Jesus precisava e ainda precisa de discípulos comprometidos com
o projeto do Reino de Deus e que não se venderam para o projeto do poder
imperial. A traição de Judas ocorre dentro do projeto do mundo que é antagônico
à experiência da ceia partilhada que estava por acontecer.
Para dar o exemplo de como deveria ser
o relacionamento entre os discípulos, Jesus faz um gesto que ficaria marcado na
memória de seus seguidores. No primeiro século, as estradas eram empoeiradas, e
as sandálias e os pés das pessoas sujavam facilmente. Por isso, era uma boa
prática de hospitalidade prover meios para que os pés dos visitantes fossem
lavados. Esse gesto era comum quando se recebia a pessoa na casa, e não durante
a refeição. O trabalho de lavar os pés era considerado uma das tarefas mais
servis da época, e isso era levado tão a sério que Carson (2007, p. 462) afirma
que “alguns judeus insistiam que não se devia exigir de escravos judeus que
lavassem os pés de outros; esse trabalho devia ser reservado para escravos
gentios, ou para mulheres, crianças e discípulos”. Jesus assume o lugar dessas
pessoas ao levantar-se da ceia e vestir-se como servo (w. 4,5) e começar a
lavar os pés de seus discípulos. Ele, que se apresentara aos discípulos como
Mestre e Senhor (Mt 20.28; Mc 10.45), agora age como servo (Fp 2.5-11).
O lava-pés, além da partilha do amor,
retratava a solidariedade aos marginalizados, uma atitude na contraposição da
postura opressora das autoridades romanas e seus representantes. E uma
referência ao Servo Sofredor de Isaías, que, despido de qualquer atitude de
prepotência, cuida dos desfavorecidos de forma desinteressada. O último momento
de convivência de Jesus com seus discípulos deveria ser marcante e
inesquecível. O gesto de Jesus nesta última refeição deixaria claro que a vida
cristã não faz sentido se não for acompanhada do serviço e do amor ao próximo,
conforme o exemplo deixado por Jesus durante sua vida e ministério (Lc
22.24-27; Jo 13.13-16).
Jesus coloca-se na posição de um
escravo fazendo o serviço mais desprezível daquela cultura, o lava-pés, em um
momento de grande expectativa dos discípulos, que aguardavam a implantação do
Reino messiânico e, consequentemente, a libertação do jugo romano. Era um Reino
do qual pretendiam fazer parte do comando, pois eram as pessoas de confiança de
Cristo. Jesus vai revelando progressivamente a realidade de seu Reino, que é
diferente do reino político e de dominação que os discípulos e outros
aguardavam, ou seja, era um reino de solidariedade e serviço. Enquanto as
pessoas, inclusive os discípulos, disputavam a posição de maior domínio e
poder, Jesus apresenta-se como o menor e mais humilde.
II. O Diálogo entre Jesus e Pedro
1. Pedro, símbolo da liderança que privilegia
o poder e a desigualdade
O gênero literário preponderante da
perícope em estudo é o diálogo de revelação, tipicamente simbólico. Nos
diálogos, são apresentadas doutrinas significativas ao cristianismo. João
13.6-10 é fundamental para a interpretação da unidade de João 13.1-17. As
controvérsias sobre o lava-pés define o modo como o texto deve ser
interpretado. Em João 13.6-10, ocorrem três intervenções de Pedro e três
respostas de Jesus que revelam um significado oculto ainda não compreendido do
gesto revolucionário de Jesus.
Quando Jesus aproxima-se de Pedro para
lavar os seus pés, ele não concorda com sua atitude. Para ele, assim como as
demais pessoas da época — em especial, as lideranças religiosas que olhavam as
pessoas sob seus cuidados sob a perspectiva do poder —, o gesto de Jesus, como
mestre, era inconcebível. Essas pessoas não tinham interesse na mudança dos
costumes culturais, pois estavam em vantagem sobre os menos favorecidos. O modo
de produção escravagista greco-romano transformava o ser humano que estava
debaixo da escravidão num simples objeto, um instrumento de produção, sem
direito à própria dignidade. A classe dos escravos, que era a maioria, não
tinha voz. O gesto de Jesus trouxe um novo significado ao valor aos
responsáveis pela tarefa do lava-pés (mulheres, escravos e crianças). Foi uma
proposta de renúncia e inversão de status, uma reciprocidade de papéis e a
eliminação da discriminação e desigualdade entre as pessoas. Era algo
inadmissível pelo império romano, bem como os seus representantes de demais
beneficiados pela cultura de dominação. Nesse caso, até os discípulos judeus
dentro de sua comunidade tinham os seus privilégios em relação aos gentios.
Práticas que impactassem na ruptura com costumes e padrões socioculturais predominantes
eram rejeitadas de imediato.
Pedro representa os discípulos com
dificuldades de compreensão sobre o seguimento de Jesus e sobre a própria fé,
que fazem adesão apaixonada e são carentes ainda de maturidade (6.69; 13.37,38;
18.17-27). A indignação de Pedro em relação à atitude de Jesus é típica de quem
está preso aos costumes e não aceita a ruptura dos padrões socioculturais
vigentes. A resistência de Pedro à proposta apresentada por Jesus é comum a
muitas pessoas e líderes cristãos na atualidade, líderes que não aceitam
submeter-se à reciprocidade dos papéis e à equivalência do status produzido
pela prática mútua do lava-pés.
Jesus deixa claro que a atitude de
Pedro tinha um significado sociocultural que o distanciava do projeto do Reino
proposto. Mateos e Barreto comentam sobre essa incompatibilidade de
comportamento entre eles:
Pedro mantém ainda os princípios do
“mundo”, crê que a desigualdade é legítima e necessária. A iniciativa de Jesus
cria grupo de iguais; o líder abandona o seu lugar para fazer-se como os seus;
isto o desorienta e ele o rejeita. Como a multidão de Jerusalém, quer que Jesus
seja o chefe (12,13: o rei de Israel); não aceita o seu serviço nem, portanto,
sua morte por ele (12,34; 13,37). Reconhecera que as exigências de Jesus comunicavam
vida definitiva (6,68ss), mas quando vem o momento da ação de Jesus que
interpreta suas palavras, não a aceita.
[...] Se não admite a igualdade, não
pode estar com Jesus. [...] Sua ameaçadora declaração (Se não... não tens nada
que ver comigo) evidencia a gravidade da atitude de Pedro. (MATEOS; BARRETO,
1989, p. 565)
A advertência de Jesus continua atual,
ou seja, quem se diz seu seguidor, mas privilegia a desigualdade e a dominação
sobre as demais pessoas, não pode estar seguindo o mesmo projeto proposto por
Jesus. Portanto, ainda não é um verdadeiro discípulo de Jesus.
2. A discussão sobre a purificação
A última parte do diálogo entre Jesus e
Pedro (Jo 13.9,10) trata de um novo tema: a polêmica em tomo do rito de
purificação. Muitos ainda preferem tratar o lava-pés como um rito penitencial
de purificação dos pecados cotidianos em complemento ao batismo, mas não é essa
a intenção da narrativa. O lava-pés não é um ritual religioso de purificação de
pecado. Ele simboliza a identidade do discipulado proposto por Jesus que
privilegia a igualdade no exercício do poder e na divisão de suas tarefas. Ele
tem mais a função crítica aos ritos de purificação do judaísmo, radicais em
suas práticas sobre o puro-impuro. Os ritos de purificação eram uma prática de
grupos judaicos como o de João, o Batista (2.6; 3.25), dos essênios, mas não da
comunidade cristã do final do primeiro século. Nas duas primeiras intervenções
em que Pedro fica indignado com o gesto de Jesus, fica claro que ele refere-se
à prática de higiene doméstica cultural da época, que Jesus traz para um
ambiente de refeição com seus discípulos.
O lava-pés era um fenômeno cultural do
Oriente Próximo e, particularmente, da cultura mediterrânea, presente em várias
literaturas. Era um fenômeno característico do ambiente doméstico com uma
tripla função: a) higiene; b) preparação para a refeição; e c) acolhida do
hóspede. Era uma prática já presente no Antigo Testamento (Gn 18.4; 19.2;
24.32; 43.24; Jz 19.16-21; 1 Sm 25.41) e acontece em um ambiente doméstico para
higiene dos pés em primeiro lugar, como boa prática de hospitalidade ao hóspede
ou convidado pelo anfitrião e no momento que antecede a refeição. Segundo
Thomas (1990, p. 47-65), um pesquisador sobre documentos e testemunhas do
lava-pés na cultura greco-romana e intertestamentária, o lava-pés aparece em
dois cenários distintos nesse período: a) doméstico, como prática de higiene e
conforto pessoal, principalmente antes da refeição. Comum também como gesto de
hospitalidade; b) religioso — porém, o autor afirma que são poucas as
evidências da utilização do lava-pés com esse propósito.
A terceira intervenção de Pedro
demonstra o comportamento das primeiras comunidades ainda sob a influência do
legalismo da religião judaica, alvo de conflitos entre os cristãos gentios e os
judeus-cristãos tão presentes nas epístolas paulinas. A imposição do legalismo
era uma forma de dominação e exercício do poder opressor religioso sobre as
demais pessoas. Quando Jesus afirma que quem não se permitisse ter os pés lavados
não teria parte com Ele, Pedro, influenciado por esse imaginário da
purificação, pede para lavar também os demais membros do corpo. Jesus responde:
“Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo
está limpo”, uma clara intenção de purificação religiosa. Naquela época, o que
estavam geralmente sujos eram os pés por causa das estradas empoeiradas e o
tipo de calçado utilizado (a grande maioria do povo pobre andava descalço); por
isso existia a prioridade de lavar. Jesus deixa claro que não estava falando do
ritual de purificação de membros do corpo. Ele afirma: “Aquele que está lavado
não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo”. No entanto,
como característica intrínseca do evangelho de João, as narrativas têm como
objetivo trazer um significado além de si mesmo. Jesus tinha a intenção de
trazer o sentido para o gesto do lava-pés; no momento, porém, Ele faz uso da
intervenção de Pedro sobre a purificação para alternar para a definição simbólica,
ao afirmar: “[...] Ora, vós estais limpos, mas não todos”. O autor do evangelho
aproveita o próximo versículo (v. 11) para explicar que Jesus estava se
referindo à situação espiritual de Judas. No contexto do Evangelho de João, o
que purifica não é a água por meio dos rituais religiosos, mas a Palavra de
Jesus (15.3). Na próxima unidade (13.12-17), isso vai ficando cada vez mais
evidente.
Assim, o gesto do lava-pés foi incluído
em João 13.1-17 como uma prática que era habitual e cultural e que tinha
implicações sociais em relação à divisão social das tarefas domésticas
realizadas por escravos e, na ausência desses, por mulheres ou crianças.
III. A
Motivação Didática do Lava-Pés
1. Jesus apresenta o caminho da vitória
pela cruz
O gesto do lava-pés era uma forma
didática de Jesus demonstrar o caminho que teria de seguir até a sua
crucificação, outra prática de extrema humilhação (maldição para os judeus e
morte para subversivos para os romanos) que o mundo e, inclusive, os seus
próprios discípulos não entenderiam de início. Em João 13.12, Jesus termina de
lavar os pés dos discípulos, veste-se e senta novamente à mesa e pergunta aos
discípulos se eles haviam entendido o que acabara de fazer. Evidentemente que
eles não haviam entendido, pois Jesus, na sequência (Jo 13.13), continua seu
discurso afirmando que eles tinham-no por Mestre e Senhor e ratifica essa
informação, ou seja, Ele não nega ser Mestre e Senhor. Para a cultura da época,
o senhor era o imperador, que não se humilhava diante dos subalternos; pelo
contrário, ele agia com arrogância e prepotência. Enquanto os mestres romanos e
gregos circulavam no nível elitista do saber e da cultura, exclusivo para
pessoas do mesmo grau para atividades criativas, enquanto aos demais estavam
destinadas as atividades operacionais e braçais. A ideologia dos rabinos judaicos
absolutizava seus mestres, colocando-os em pedestais como dignos de reverência.
Os discípulos eram doutrinados por esse imaginário e, como os demais, tinham
dificuldade para entender a atitude de Jesus, bem como o ensinamento que queria
trazer com o gesto simbólico que acabara de realizar.
Para entender a relação lava-pés com a
livre aceitação da cruz por Jesus, devemos retomar João 13.1, que é uma espécie
de introdução dos discursos de despedida de Jesus em João. Fabris e Maggioni
reforçam esse entendimento:
O v. 1 é muito importante. Não
introduz somente o episódio (que já tem sua introdução no v. 2), mas toda a
seção dos discursos de despedida. É rico em temas: a páscoa, a hora, a
consciência de Cristo, os discípulos, o amor. Jesus tem plena consciência da
iminência da Paixão e de que a cruz é “passagem” para o Pai, não morte, mas
ascensão. Mas por que será que Jo sublinha tão fortemente as duas dimensões da
consciência de Cristo? Não tanto para evidenciar a divindade de Cristo que
conhece e prevê tudo, e sim, ao que parece, para pôr em evidência a seriedade e
a liberdade com as quais Jesus enfrenta a morte. O que acontece não é casual,
imprevisto, sem sentido; é previsto, e não destrói o plano de Deus. A morte, a
traição, a aparente derrota da cruz, a solidão dos discípulos no mundo fazem
parte do plano de Deus. E Cristo assume tudo isso livremente. A expressão os seus
é característica; indica a intensidade do amor, a predileção e a pertença a
Cristo. Mas a expressão deve ser unida a esta outra: que estavam no mundo;
assim se entrevê a situação de solidão, de perseguição, de estranheza dos
discípulos no mundo. (FABRIS; MAGGIONI, 2006, p. 412)
2.
Os discípulos deveriam seguir o exemplo de Jesus
Jesus,
sendo Senhor e Mestre, deu o exemplo de como os discípulos deviam tratar um ao
outro: com humildade e submissão. Esse era um contraste como qualquer modelo de
liderança dominadora da sociedade e comunidades religiosas. O exemplo citado
por Jesus (v. 15), como já visto, não tem nenhuma pretensão de ordenar uma
prática de caráter normativo, ou seja, não era um ritual a ser repetido de
forma legalista e mecânica. A ênfase de Jesus é no que o gesto simbolizava, a
atitude que devia ser priorizada nas relações como marca de seus seguidores.
Uma proposta de relação de igualdade, e não de dominação, como afirma Destro e
Pesce:
Propor aos discípulos assumir a função do escravo — uns em
relação aos outros — significa, pois, propor um ideal de comunidade onde os
papéis recíprocos sejam similares e equivalentes. O ideal social subjacente ao
gesto de Jesus é, pois, o da supressão da função servil atribuída a uma classe
social para obter uma co-participação muito estreita e uma comunhão onde os
papéis sejam orientados para indiferenciação. (DESTRO; PESCE, 2002, p. 96)
Os
discípulos foram chamados por Jesus, caminharam com Ele, viram os sinais que
realizava, ouviram vários sermões e ensinos do Mestre, mas tiveram que ser
advertidos em algumas ocasiões por pretenderem repetir o modelo de dominação
que vigorava no império romano. Um desses exemplos está registrado em Mateus
20.20-28 pouco antes da entrada triunfal em Jerusalém. Depois de Jesus falar
pela terceira vez na narrativa do evangelho que seria entregue aos príncipes
dos sacerdotes e escribas para ser morto e que ressuscitaria ao terceiro dia,
surge uma intriga entre os discípulos sobre a disputa de cargos de poder no
Reino a ser estabelecido por Cristo. Lembrando que a expectativa messiânica dos
discípulos ainda era de um reino político e libertador do jugo romano (ver Lc
24.21). A reprimenda de Jesus em Mateus 20 merece ser citada literalmente:
Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados e
que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas
todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande, que seja vosso serviçal; e
qualquer que, entre vós, quiser ser o primeiro, que seja vosso servo, bem como o
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida
em resgate de muitos. (Mt 20.25-28)
Fonte: Cobiça e Orgulho – Combatendo o desejo
da carne, o desejo dos olhos e a soberba da vida. Editora CPAD | Autor: Pr.
Natalino das Neves.
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