Subsídio para a lição 1 da classe de jovens. 3º Trimestre de 2018
Professor (a), a lição deste domingo tem como
objetivos:
Destacar as definições de milagres, sua função e sua imprevisibilidade;
Elencar alguns principais perigos do milagre;
Constatar a religiosidade com a palavra do Evangelho.
Destacar as definições de milagres, sua função e sua imprevisibilidade;
Elencar alguns principais perigos do milagre;
Constatar a religiosidade com a palavra do Evangelho.
Palavras-chave: Milagre.
Apesar
de Adolf von Harnack (1851–1930) ter dito, no final do século XIX, “que os
evangelhos foram escritos numa época em que o maravilhoso ocorria quase
diariamente”, a admiração das pessoas com os feitos de Jesus (Mt
8.27; Mc 1.27, etc.), bem como a expressão de ceticismo de Sara, em época muito
anterior, acerca do milagre de ela gerar um filho (Gn 18.9-15), demonstram
justamente o contrário de seu raciocínio. Na verdade, a palavra grega comumente
utilizada para milagre é thaumazein e significa
“admirar-se, espantar-se, surpreender-se, mas também honrar, venerar,
apreciar algo”.
A
postura de espanto e assombro das pessoas diante do inexplicável demonstra não
passividade, mas justamente o oposto, pois, conforme a filosofia clássica —
representada por Sócrates, Platão e Aristóteles —, tal atitude é o início do
exercício filosófico. Contrariamente, a filosofia estoica defendia a ideia de
que o sábio é alguém que não mais se admira. Enquanto essa última escola
apontava a hipótese de as coisas serem explicadas de forma a eliminar
completamente qualquer vestígio de espanto e assombro, a primeira defendia a
ideia de que “nunca chegaremos ao fim com a admiração, [pois] nunca
conheceremos todas as causas, mas permaneceremos reiteradamente assombrados
perante o mistério que apenas podemos admirar”. Sabe-se que o
“ser humano que admira é curioso, quer investigar e compreender o que o assombra”;
contudo, é fato que, em “sua tentativa de compreender, também experimentará
sempre nova admiração e deter-se-á perante novos mistérios”. Portanto,
como já é de conhecimento geral, a obra, e muito menos este capítulo, não tem a
pretensão de explicar o milagre, pois “milagre não se explica”.
Deparar-se
com uma situação-limite e reconhecer a própria incapacidade em entender
determinado evento ou fenômeno passa longe de ser preguiça mental ou
filosófica. Trata-se apenas do fato inegável de que não há possibilidade de
alguém saber todas as coisas. Aliás, como oportunamente observou Karl Popper
(1902–94):
“Quanto mais aprendemos sobre o mundo, mais
consciente, mais detalhado e mais exato se torna nosso conhecimento sobre
problemas ainda sem solução, nosso conhecimento socrático de nossa ignorância”7.
Contudo, de onde vem essa presunção que insiste em fazer com que o ser humano
acredite que pode saber tudo? Ou, para mudar a pergunta, como se deu a
substituição da “fé religiosa” pela “fé científica”, isto é, na “convicção de
que o mundo está estruturado de acordo com leis racionais que lhe são próprias”?
Sim, como diz Antoine Vergote (1921–2013), “todo o espírito científico se
instaura a partir [deste] a priori”, qual seja, “o da fé numa
regulação que determina os fatos observados”9. Dessa forma, o
“antigo sentido religioso à espera de sinais prodigiosos se transforma na
crença científica no determinismo do mundo fechado e na admiração pelo prodígio
universal que é a racionalidade do cosmo e da natureza”10. Mas
será que o universo “funciona” exatamente dessa forma? Um sistema fechado
de causa e efeito explica realmente de forma satisfatória todos os eventos e
fenômenos observáveis no universo?
Antes
de pensarmos nessas questões (as quais voltarei mais à frente), é preciso
entender que dois filósofos iluministas, em particular, Baruch Spinoza e David
Hume, foram responsáveis por estabelecer objeções à questão dos milagres, sendo
que o primeiro é considerado um dos criadores da exegese histórico-crítica.
A
despeito de tal importância e de ter contraposto a noção apologética corrente à
época, de que os milagres serviam para demonstrar às pessoas a existência de
Deus, Spinoza acabou sendo eclipsado por Hume, que, apesar de partir de uma
concepção completamente distinta da do primeiro, se celebrizou por afirmar que
“milagre é uma violação das leis da natureza; e como uma experiência constante
e inalterável estabeleceu estas leis, a prova contra o milagre, devido à
própria natureza do fato, é tão completa como qualquer argumento da natureza
que se possa imaginar”.
Ainda
que, neste trecho, a grande barreira para o milagre, de acordo com o argumento
de Hume, é que este é uma “violação das leis da natureza”, e esta, com o
entendimento da física que havia naquele período, funcionava de forma fechada
como um sistema de causa e efeito, a primeira grande objeção levantada pelo
filósofo escocês, e ao que dedica praticamente todo o seu texto “Dos Milagres”,
refere-se a sua completa falta de credibilidade no que diz respeito ao
testemunho humano. Uma vez que os milagres bíblicos, particularmente os
realizados por Jesus Cristo, dependem do testemunho dos primeiros seguidores do
Senhor e estes, para Hume, eram “homens comuns”, ou seja, não eram “pessoas
judiciosas e instruídas” e “homens de tão indubitável bom senso, educação e
instrução que nos assegurassem contra todo logro de sua parte”13,
eis, então, o porquê de o seu testemunho ser suspeito. Para o filósofo escocês,
“apenas a experiência confere autoridade ao testemunho humano, e é ainda a
experiência que nos assegura a respeito das leis da natureza”.
Ao
longo do tempo, muitas foram as respostas a esse texto de Hume. Evidentemente
que o exíguo espaço disponível não oferece oportunidade alguma de analisar
essas respostas. Todavia, a observação de David Johnson é oportuna, pois
demonstra que a “melancólica avaliação que Hume faz da credibilidade dos
relatos-de-milagre historicamente disponíveis nada tem a ver com o fato de eles
serem relatos de milagres religiosos”, como equivocadamente se pode
supor, mas diz respeito “as lentes filosóficas através das quais Hume lê a
história, o critério filosófico supostamente estabelecido”. Em
outras palavras, o método adotado pelo filósofo escocês para interpretar a
realidade influencia toda a sua leitura. Dentre as muitas respostas ao ensaio
de Hume, uma delas é proveniente da pena engenhosa de C. S. Lewis (1898–1963).
Em sua obra Milagres, o literato cristão irlandês procura defender
racionalmente a existência dos milagres. Em contraposição ao filósofo escocês,
Lewis diz que a discussão toda “sobre a existência de milagres jamais pode ser
respondida simplesmente pela experiência”, pois, mesmo diante de “algo
extraordinário [...] podemos dizer que fomos vítimas de uma ilusão”. Para
ele, se “o milagroso não pode ser provado ou refutado pela experiência
imediata, menos ainda o será pela História”, conforme quer Hume. Lewis defende
que a questão passa primeiramente pelo “ponto de vista filosófico” adotado para
interpretar a realidade, ou seja, se a priori a possibilidade
do sobrenatural está excluída, nada será capaz de convencer a pessoa. Assim, no
que diz respeito aos milagres, ele instruía que, antes de afirmar se eles
acontecem ou não, é preciso decidir entre os pontos de vista naturalista e
sobrenaturalista. No primeiro, abrigam-se os que “acreditam que não existe nada
além da Natureza”; no segundo, alocam-se os que “julgam que além da Natureza
existe algo mais”. Portanto, a pergunta que se impõe é a seguinte: “Quem está certo,
os Naturalistas ou os Sobrenaturalistas?”.
Apesar
de reconhecer que, por “definição, milagres devem, de fato, interromper o curso
habitual da Natureza”, e não a violar como afirma Hume, Lewis diz
que um milagre indica “a intervenção de um poder sobrenatural na Natureza”20.
Considerando o fato de que existem leis que governam essa natureza e que, por
isso mesmo, ela apresenta certa regularidade e uma aparente linearidade, os
“que creem em milagres não estão negando a existência de normas ou regras, mas
apenas que ela pode ser suspensa”, ou seja, o “milagre é, por definição, uma
exceção”.
É
preciso, contudo, observar que a concepção de natureza e de suas leis, para
Hume, difere completamente da visão de Lewis. Para o filósofo escocês, “essas
leis são regularidades entendidas no âmbito da estrutura de uma visão de mundo
em que o Deus da Bíblia é negado desde o início”, isto é, em lugar “de Deus
estar continuamente envolvido no mundo, conforme a Bíblia o apresenta, o mundo
funciona por ‘conta própria’”.
O
maior problema desse pensamento foi que ele tornou-se o paradigma da chamada
“modernidade”, que, nas palavras de Libanio, “é, antes de tudo, o triunfo da
razão”. Na modernidade, as coisas pertencentes ao “universo da religião, da
revelação, da metafísica cede lugar ao reino da razão positiva”.
A partir do século XVI até o início do século XIX, a produção teológica, tanto
a conservadora quanto a liberal, deu-se sob a égide desse paradigma, que
supervalorizava o racionalismo. Tanto um lado quanto o outro atribuíam
demasiado valor à razão, reduzindo as verdades da fé a proposições racionais e
a enunciados perfeitamente demonstráveis. Neste quesito, diz Wolfgang Pauly, os
“Representantes da teologia evangélico-protestante frequentemente estavam décadas,
senão séculos, à frente de seus colegas católicos”. Gary
McGee informa que autores “de todas as tendências, desde Charles Darwin até
John Henry Newman e Charles Hodge, utilizaram-se das descobertas e do progresso
da ciência na formação da doutrina” — leia-se “da teologia”.
Na
verdade, as ideias de Hume, conforme disserta o já citado Pauly,
“influenci[aram] por décadas a teoria do conhecimento — na teologia fundamental
— com sua teoria do conhecimento em Investigação sobre o entendimento
humano (1751)”, obra onde se encontra o texto acerca dos milagres e a
mesma em que o filósofo escocês defende a ideia de que a “investigação do
entendimento humano exclui qualquer forma de conhecimento com conteúdo
metafísico”, pois, para ele, o “conhecimento começa com a experiência sensorial
concreta, que afeta a consciência”. É assim que, nesse período, diz o
mesmo autor, na perspectiva “da teoria do conhecimento, colocou-se a tarefa
teológica de uma busca da verdade racional e comunicativa e da formação de uma
instância probatória acessível argumentativamente”.
Como
já foi dito, tal tarefa não ficou restrita a um ou outro lado, pois, conforme
os teólogos pentecostais James Railey e Benny Aker, “os ocidentais, tanto os
conservadores quanto os liberais, sustentam uma epistemologia primariamente
racional”. Tal epistemologia levou os teólogos liberais a
afirmar que os milagres dos tempos bíblicos não passavam de símbolos de algo
mais profundo, enquanto os conservadores, adeptos de uma posição conhecida como
“cessacionismo”, diziam que os milagres aconteceram, mas encerraram-se
imediatamente após a morte do último apóstolo ou depois de completado o Novo
Testamento. Analisando mais profundamente o resultado de tal exercício, não é
difícil entender o porquê de Agnes Sanford dizer que o “rebaixamento do
cristianismo em algo materialista e, como gostamos de chamá-lo, ‘racionalista’,
é uma das tragédias de nossa vida moderna”.
A razão dessa tragédia é
muito simples. Dissertando sobre as origens da chamada secularização, uma das
marcas da modernidade, o sociólogo Peter L. Berger (1929–2017) diz que é
possível “sustentar, pois, que o protestantismo funcionou como um prelúdio
historicamente decisivo para a secularização, qualquer que tenha sido a
importância de outros fatores”. E como se deu esse processo
de secularização protestante? Alister McGrath diz que “a ênfase do
protestantismo tradicional no conhecimento indireto de Deus, mediado por
intermédio da leitura da Bíblia, levou à ‘dessacralização’ — à criação de uma
cultura sem senso nem expectativa de ter a presença de Deus em seu meio”31.
Tal processo levou o Ocidente à secularização e, consequentemente, ao ateísmo,
pois a “ausência de toda expectativa de encontro direto com o
divino por meio da natureza ou da experiência pessoal encoraja inevitavelmente
a crença em um mundo sem Deus — é o tipo de cultura que vive etsi Deus non
daretur (‘como se Deus não existisse’)”.
No afã
de limitar o conhecimento de Deus a exclusivamente o que a “Bíblia diz”, não na
leitura simples, mas numa determinada forma de interpretação, “algumas seções
do protestantismo, muitas vezes muitíssimo influenciadas pelo racionalismo do
Iluminismo, continuam até hoje a enfatizar a ‘correção teológica’, ressaltando
a abrangente importância de ter as ideias corretas sobre Deus”33.
Infelizmente, nessa perspectiva, a Bíblia é vista apenas “como um livro de
estudo doutrinal”. Não apenas isso, “a fé torna-se um conhecimento indireto de
Deus, declarado em termos de crenças a respeito de Deus que, por mais corretas
que possam ser até o ponto em que alcançam, transmitem a impressão de que o
cristianismo é um pouco mais que teorização abstrata sobre um Deus cuja vontade
é revelada na Bíblia”.
O
problema maior dessa postura é que um “Deus permanentemente ausente logo pode
se tornar um Deus morto”, isto é, dispensável. A verdade é que, diz Gregory
Miller, enquanto “cosmovisão, o modernismo secular colide com o cristianismo em
sua doutrina mais básica: a realidade do sobrenatural”. Enquanto tal realidade
sobrenatural é parte intrínseca da religião cristã, ao mesmo tempo se constitui
não apenas dispensável na modernidade, mas antagônica aos seus postulados.
A
despeito do desprezo de alguns protestantes em relação ao pentecostalismo,
Miller diz que “Nenhuma quantidade de pensamento cristão teria mantido as
igrejas pelos anos difíceis deste século não fosse por esses crentes que
reconheceram a necessidade da experiência cristã e da realidade da intervenção
direta e sobrenatural na vida das pessoas”. O mesmo autor reconhece isso
levando em consideração não apenas o “meio secular”, mas a própria realidade
“dentro das igrejas”, pois, “numa cultura que tende a ser dominada pela
racionalidade, um papel absolutamente essencial na formação da cosmovisão cristã
foi representado por pentecostais e carismáticos no século XX”.
Alinhado
com a mesma visão, Alister McGrath diz que a “ênfase do pentecostalismo na
experiência direta e imediata de Deus evita as formas, antes, secas e
intelectuais do cristianismo que muitos acham sem atrativos e ininteligíveis”,
ou seja, o “pentecostalismo declara que é possível o encontro direto e pessoal
com Deus por meio do poder do Espírito Santo”, pois na perspectiva pentecostal,
“Deus é para ser conhecido de forma imediata e direta, não indiretamente por
meio do estudo de um texto”. Tal iniciativa proporcionou
um movimento inverso do protestantismo, ou seja, trouxe a “re-sacralização” da
realidade, pois “ao abrir de novo a possibilidade de uma realidade
transcendente, praticamente isolada pelo modernismo”, diz McGrath, o
pentecostalismo “injeta a presença de Deus na vida diária — por meio da ação
social, política e do evangelismo”.
James
Dunn, citado por John Wyckoff, “observa que [enquanto] os católicos enfatizam o
papel da Igreja e dos sacramentos, e subordinam o Espírito à Igreja”40
e os “protestantes enfatizam o papel da pregação e da fé, e subordinam o
Espírito à Bíblia”, os “pentecostais, no entanto, reagem a esses dois extremos
— ao sacramentalismo que pode se tornar mecânico e à ortodoxia biblista que
pode se tornar espiritualmente morta — e reclamam uma experiência vital com o
próprio Deus no Espírito Santo”. Coincidentemente, ao irromper de forma
global, o pentecostalismo encontra-se com a “revolução quântica” que, iniciando
no âmbito da física, trouxe transformações filosóficas na forma de se perceber
a realidade, modificando radicalmente o conceito de um universo fechado
funcionando como uma máquina tal como se pensava na concepção newtoniana.
Consequentemente, a ideia de uma razão absoluta, com plenos poderes, e a
concepção histórica de um progresso indefinido que marcou a modernidade foi
cedendo espaço a uma noção pós-moderna de ver as coisas.
A
ciência deixou de ser a única forma segura de conhecimento e fonte exclusiva de
saber. A objetividade prevalente do positivismo lógico que oferecia certezas
eliminando tudo aquilo que não pudesse ser provado materialmente ruiu ante a
realidade que, agora já se sabia, é muito mais complexa do que se apresentava
aos cinco sentidos humanos. O reino da religiosidade, antes renegado pela
ciência, veio novamente à tona e trouxe consigo novas formas de
espiritualidade. Em termos diretos, “a oposição entre razão moderna ‘iluminada’
e fé religiosa parece ser, hoje em dia, um fato do passado: [pois] a
consciência da ‘dialética do iluminismo’ reduziu muito as pretensões daqueles
que às crenças religiosas desejam opor uma explicação puramente racional do
mundo”. Justamente por isso, alinho-me aos já citados teólogos
pentecostais James Railey e Benny Aker, em sua defesa de que a epistemologia
primariamente racional dos teólogos protestantes (tanto liberais quanto
conservadores) é “inadequada para os pentecostais”, pois estes não veem uma
descontinuidade, em termos de operação divina, entre o “mundo da Bíblia”, que
“não é [o mesmo] do racionalista, pois [...] reconhece o sobrenatural e as
experiências sobrenaturais outorgadas por Deus , e o mundo atual, onde
Deus, de igual forma, continua atuando na história. Tal perspectiva é diametralmente
oposta à de Simon Kistemaker, teólogo reformado, que afirma, por exemplo, na
introdução de sua obra, que com frequência “usamos a palavra milagre quando
alguém se recupera de um ferimento grave ou de uma cirurgia complicada”.
Ele diz que, ao fazermos isso, “estamos expressando a nossa incapacidade de
explicar o poder curador que existe no corpo humano”, isto é, para ele,
utilizamos a palavra milagre nessas ocasiões reconhecendo “que a recuperação
não foi apenas por causa da habilidade e perícia dos cirurgiões, mas que está
ligada à força inata que existe dentro do nosso corpo físico e que vence as
probabilidades existentes contra a restauração”. Dessa forma, continua
Kistemaker, “logo admitimos que uma recuperação miraculosa de um ferimento ou
uma enfermidade é diferente dos milagres que Jesus realizou quando curou os
enfermos e ressuscitou pessoas”. Para o mesmo autor, acabamos atribuindo “uma
volta à saúde e à força a um misterioso poder que Deus criou dentro do nosso
corpo físico”. Sua conclusão é que os “milagres que Jesus fez foram diferentes
porque o poder de curar e restaurar residia nele”. Evidentemente que o
autor, cuja teologia adotada já o impede de acreditar que hoje possa acontecer
milagres, mistura casos de regeneração “natural” de células e tecidos com
prodígios que são notórios e cujos os testemunhos são abundantes. Quanto à
questão do “poder residente” de Jesus, será objeto de análise no próximo
capítulo.
Da
mesma forma que o teólogo, ou crente, reformado possui suas pressuposições,
James Railey e Benny Aker dizem ser importante “que o pentecostal tenha uma
base e um ponto de referência realmente bíblicos e pentecostais”, ou seja,
primeiramente “deve crer no mundo sobrenatural, especialmente em Deus, que
opera de forma poderosa e revela-se na história”. Partindo dessa
premissa, eles acrescentam que os “milagres, no sentido bíblico, são
ocorrências comuns”, pois nas Escrituras, “‘milagre’ refere-se a qualquer
manifestação do poder de Deus e não necessariamente a um evento raro ou incomum”.
De igual forma, o pentecostal crê, tal como o texto bíblico relata, que “outros
poderes no mundo sobrenatural, quer angelicais (bons), quer demoníacos (maus),
penetram em nosso mundo e aqui operam”. Na realidade, o “pentecostal não é
materialista nem racionalista, mas reconhece a realidade da dimensão
sobrenatural”. Portanto, a forma de o pentecostal comportar-se diante da
realidade é distinta da do típico fiel reformado, não tendo dificuldade alguma
em admitir que, a despeito de crer na Bíblia como Palavra de Deus, “o
conhecimento racional das Escrituras, que não é o simples fato de decorá-las,
não substitui a experiência pessoal da regeneração e o batismo no Espírito
Santo, com todas as atividades de testemunho e de edificação que o Espírito coloca
diante de nós”. Assim, enquanto os “argumentos a favor da ‘cessação dos
milagres’ revelam, em parte, o desejo de proteger a singularidade dos atos
divinos na história da redenção” pois, uma vez que “o
cânon da Bíblia agora está completo ou fechado”, continua Vern Poythress, “o
que esses teólogos querem dizer é que hoje não podem ocorrer milagres de
natureza tal que confirmem novos acréscimos ao cânon bíblico” ,
diferentemente, o “pentecostal crê que Deus fala à sua igreja através dos
dons do Espírito Santo a fim de corrigir, edificar e consolar”.
Evidentemente que o pentecostal sabe que os dons devem ser “subordinados às
Escrituras e discerníveis à luz destas”, porém, não desconhece igualmente que
“não é a teologia nem a cultura que inibe a obra do Espírito Santo, mas o ponto
de referência teológica e educacional”, daí o porquê da importância de se
“interpretar a Bíblia dentro de suas próprias condições através de um ponto de
referência apropriado”, pois somente assim “teremos uma teologia corroborada
pela experiência”.
Apesar
de saber que há vários “séculos a teologia sistemática no Ocidente tem sido
disposta segundo um sistema coerente que reflete o idealismo racional
(cf. a busca por parte dos teólogos de um centro unificante)”, informam os
teólogos pentecostais James Railey e Benny Aker, o “uso de um único centro, tem
limitações; por exemplo, não leva em conta os paradoxos que tanto prevaleciam
no mundo antigo”, por isso, continuam, o “que agora está se tornando mais
aceitável à maioria dos teólogos é ver um sistema disposto em volta de vários
centros”. O teólogo Jack Deere, ex-cessacionista, diz que além de
“arrogância” é também uma ilusão a ideia “de que se pode chegar a uma pura
objetividade bíblica na determinação de todas as práticas e crenças”, pois
“somos significativamente influenciados pelas circunstâncias: a cultura na qual
vivemos, a família na qual crescemos, a igreja que atendemos, nossos professores,
desejos, alvos e desapontamentos, nossas tragédias e traumas”.
Em
outros termos, a interpretação bíblica não acontece em um vácuo atemporal,
mesmo porque os fatos relatados pelas Escrituras também encontram-se situados
geográfica, histórica e socialmente por uma realidade. Portanto, o pentecostal
crê na realidade do milagre, não o encarando como uma “violação das leis da
natureza” e nem até mesmo com uma “suspensão delas”, mas sim como a atuação
livre e soberana da parte de Deus. Somos cientes de que como obra da soberania
divina, o milagre não pode ser fabricado, seguir uma fórmula única e nem ter
data, horário e local marcado para acontecer, em outras palavras, trata-se de
algo imprevisível e indomável.
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