O
presente tema destaca três termos carregados sentidos semânticos e simbólicos,
controvérsias e interpretações no campo da educação cristã e secular: ofício, ministério e construção.
O primeiro, usado com mais frequência na educação secular para designar o labor
do professor, possui denotações um pouco mais políticas e sociais do que o
vocábulo que o sucede.
O
segundo, cujo conceito já fez parte da educação pública, se emprega mais
regularmente na educação cristã para descrever um chamamento divino para o
exercício da docência no Corpo de Cristo. Enquanto na hermenêutica cristã a
palavra "ministério" indica uma "vocação divina",
"ofício", na concepção política e pedagógica, diz respeito à
profissão.
VOCACIONADO
O
conceito que se tem do vocacionado é de alguém que exerce sua
"missão" de forma apaixonada, romântica e utópica, tendo em vista um
fim teleológico. Entretanto, há de se distinguir duas teorias entre as
concepções de vocação usadas nas teorias pedagógicas.
A
primeira é de caráter ambientalista e naturalista que, tendo o Emílio de
Rousseaue o positivismo como fundamentos, considera que o simples fato de ser
do sexo feminino já habilita naturalmente a mulher, a mãe, para o exercício
docente.
Assim,
a vocação natural não é aprendida,
mas genética, intrínseca, espontânea; o sujeito deve apenas potencializar suas
habilidades naturais. A mulher, na visão dos iluministas, estava habilitada ao
exercício docente não pela sua inteligência, que era, segundo eles, inferior a
do homem, mas pela superioridade moral. Paulatinamente o magistério primário
ficou sob os cuidados e interesses femininos, por julgar-se, inicialmente, que
a mulher reunia virtudes morais e desinteresses políticos e revolucionários,
submetendo-se, até mesmo, a pagar o aluguel da sala de aula.
A
segunda teoria é de caráter religioso que nasce de uma hermenêutica intuitiva e
parcial das Escrituras. De acordo com essa acepção, o vocacionado é alguém
chamado especialmente por Deus e por Ele capacitado sobrenaturalmente para o
exercício da educação religiosa na igreja.
O primeiro conceito torna o professor leigo, aquele que carece de
formação profissional, uma pessoa autorizada a ensinar pelo "dom" que
possui.
O segundo dispensa a formação bíblica e a vocação ministerial em
troca da experiência e capacitação profissional. Porém, o ideal é que o
professor carismático exerça a docência cristã sem excluir a formação técnica,
e que o educador profissional desempenhe o magistério eclesiástico sem
dispensar a capacitação teológica e pneumatológica.
Outro
grave problema em torno da hipervalorização da "vocação" ou do
"dom" para o ensino em detrimento à formação técnica é a completa
ausência de comprometimento da liderança:
(1)
na formação e capacitação de professores;
(2)
em preparar as condições materiais para o exercício do magistério cristão; e
(3)
no acompanhamento sobre o que se ensina como se ensina e por que se ensina.
Com
a argumentação de que os vocacionados já estão preparados por Deus para a
tarefa, certos líderes jogam toda responsabilidade e fardo "nas
costas" do professor, crendo que o fato de serem "chamados" é
suficiente para o completo desempenho do ministério de ensino. Outrossim,
perpassa pelo conceito de "professor vocacionado" a ideia de que ele
não necessita de uma formação técnica, pois o "dom espiritual" é
suficiente para o exercício docente.
Já
a visão que se nutre acerca do profissional da educação é um sujeito que domina
a técnica, a Pedagogia, e cuja ação possibilite o rompimento dos liames
empíricos e o vínculo com uma perspectiva científica e não dogmática da
realidade.
Segundo
Libâneo, a formação do professor ou da professora visa propiciar "os
conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridas para levar adiante o
processo de ensino".
LEIA TAMBÉM:
O CONCEITO DE "PROFESSOR VOCACIONADO"
O conceito
de "professor vocacionado", na perspectiva política da educação,
segundo Martins, serve apenas para satisfazer "plenamente aos interesses
de manipulação do magistério".
Expressões
como "sacerdócio", "missão", "tio",
"tia" são rejeitadas devido ao distanciamento político e reflexivo da
ação docente que acarretam. Apesar do sucateamento da profissão de professor na
sociedade contemporânea, Libâneo refere-se a três vocábulos que marcam a
identidade profissional docente: profissionalidade, profissionalização e
profissionalismo.
O
primeiro refere-se ao conjunto de requisitos profissionais que tornam
"alguém um professor".
O
segundo, diz respeito às condições adequadas que garantam o exercício
profissional de qualidade, tais como: formação inicial e continuada, nas quais o
professor aprende e o professor aprende e desenvolve as competências,
habilidades e atitudes profissionais, a remuneração compatível com a natureza e
exigências da profissão; condições de trabalho (recursos físicos e materiais,
ambiente e clima de trabalho, práticas de organização e gestão).
O
terceiro, "significa ter o domínio da matéria e dos métodos de ensino, a
dedicação ao trabalho, o respeito à cultura de origem dos alunos, a
assiduidade, o rigor no preparo e condução das aulas".
Assim,
o conceito de profissional e profissionalismo não é contrário ao magistério
cristão, muito pelo contrário, requerido e necessário.
Na perspectiva da educação cristã, o vocacionado está interessado na salvação futura de
seu aluno. Na secular, o profissional da educação se exaure na transformação do
aluno e da sociedade de seu tempo.
O
primeiro tem a Teologia, o segundo, as teorias sociais. Um empresta a fé à
razão, outro, a razão à história. Aquele é trans-histórico, este,
sócio-histórico. Inicialmente, parece que há uma ruptura entre ofício e
ministério, profissão e vocação, no entanto, são complementares, e dependem do
modo como encaramos o problema. A maioria dos educadores cristãos considera o
ministério e a vocação como funções sagradas e, nalgumas vezes, consideram uma
ofensa o fato de serem chamados de profissionais em vez de vocacionados.
Os
termos ministério e vocação para eles designam a natureza de seu trabalho
espiritual e religioso, enquanto os vocábulos ofício e profissão referem-se à
secularização da atividade religiosa. Com base nessa visão distorcida do
ministério e do chamamento é que se costuma, equivocadamente, exigir menos
formação técnica do vocacionado. Pressupõe-se que tal capacitação é
extra-humano, independente do esforço e práxis do ensinante. Muito embora haja
de cada lado da controvérsia preferências entre um título e outro, os vocábulos
ofício e ministério não são completa e mutuamente excludentes.
Muito
pelo contrário, eles se articulam dialeticamente. O contexto atual da educação
cristã ideal requer do vocacionado a mesma profissionalização e politização
exigidas ao pleno desenvolvimento do ofício de professor; assim como se reclama
ao profissional da educação o mesmo amor, desprendimento e dedicação presentes
no vocacionado - aquele que vê um propósito supra-humano na tarefa que desempenha.
Assim, a educação cristã desenvolvida no âmbito eclesiástico deve empenhar-se
para que o professor execute o múnus
docendi com a mesma especialização do profissional.
Adaptação: Subsídios
EBD
Fonte: Ensinador
Cristão, n° 73 – CPAD / Texto: Esdras Costa Bentho