O fatalismo, a
irresponsabilidade e "o quanto pior, melhor", como erroneamente já
foi propalado, não são as maiores marcas do pentecostalismo em termos de
futuro, e sim a fé, a esperança e o amor (1Co 13.13). Fé, e não crença.
Esperança, e não utopia. Amor, e não assistencialismo ativista. Sim, as
virtudes teologais estão amalgamadas e visceralmente entranhadas na perspectiva
pentecostal.
O que significa fé, esperança
e amor numa "perspectiva pentecostal"?
São práticas e não alongadas
discussões sobre a melhor definição de cada uma delas. Os exemplos são
inúmeros, mas o maior e melhor deles foi quando após o desencanto com o
melhoramento gradual do mundo através da instrumentalização racionalística, em
cumprimento à Grande Comissão (Mt 28.19,20), os pentecostais se lançaram a
ganhar vidas para Jesus, pois desde as duas grandes guerras a visão teológica
protestante que predominava desde o século 17 — do melhoramento gradual e
progressivo do mundo — entrou em declínio e em "alerta vermelho" de
extinguir-se. Tal visão, por demais linear e positivística, não aventava a
inegável ocorrência de retrocessos e involuções, isto é, mesmo na absorção e em
sua apresentação secularizada, estes não foram previstos. Portanto, desde
então, diz Tomás Halík, a "religião que está agora desaparecendo [é a que]
tentou eliminar os paradoxos da nossa experiência da realidade",
entretanto, completa o mesmo autor, "a fé para a qual estamos
amadurecendo, uma fé pascal, ensina-nos a viver com paradoxos".3Como se
verá, tal fé, por sua importância contextuai, é considerada imprescindível na
perspectiva pentecostal, sobretudo, quando comparada com duas outras opções
teológicas — diametralmente opostas —, sendo a primeira delas de expressão
protestante e, a segunda, de expressão católica.
O movimento de "cosmovisão cristã" e
seu amilenismo
Falar de pré-milenismo, amilenismo
e pós-milenismo, pensando em encontrar tais expressões no texto bíblico é um
engano, pois elas apareceram muito recentemente na história da teologia. A
despeito de os adeptos de cada uma das posições não admitir, nenhuma delas
desenvolveu-se sem influência do tempo em que viviam. Falando do período da
modernidade e de sua maior filosofia — o racionalismo — McGee, diz que
pensadores "de todas as tendências, desde Charles Darwin até John Henry
Newman e Charles Hodge, utilizaram-se das descobertas e do progresso da ciência
na formação da doutrina e da escatologia, respectivamente". Assim,
conquanto "os evangélicos do século XIX adotassem, em sua grande maioria,
conceitos amilenistas ou pós-milenistas, era este que captava o espírito
daqueles tempos". E tal se deu por causa do mito positivo-racionalista do
projeto da modernidade que fazia com que os pensadores — seculares ou
religiosos —, acreditassem em um melhoramento gradual do mundo e da sociedade.
Não obstante, um grupo — pré-milenista
— pensou diversamente e defendeu a ideia de que o mundo degeneraria e,
portanto, era preciso repensar a maneira como até então a evangelização mundial
havia sido encarada. Por ter se identificado com essa posição e entendê-la como
a mais bíblica, tal postura evangelística continua sendo a mesma para o
pentecostalismo. De igual forma, o calvinismo e a teologia reformada, bem como
sua versão mais popular, conhecida como neocalvinismo ou "movimento de
cosmovisão cristã", continuam ostentando sua missão de melhorar o mundo
através da "redenção da cultura". Contudo, tal método de
"implantação do Reino de Deus", realizado por seres humanos que, como
não poderia deixar de ser, estão enraizados em uma cultura local e peculiar,
acaba não sendo mais que proselitismo cultural. Daí a confusão entre
evangelizar pessoas e implantar o modelo político neoliberal em outros países.
A TdL e sua visão
antissobrenatural
Nascida no final da década de
60, a Teologia da Libertação (TdL) pretende, entre outras coisas, ser uma forma
revolucionária de implantação do Reino de Deus e, nas palavras de seu criador,
"expressão do direito dos pobres de pensar sua fé". Com o aporte
filosófico marxista, preconizou a utilização do socialismo para consecução de
sua proposta. Seu proponente brasileiro, Leonardo Boff, acabou recebendo um
"silêncio obsequioso", através da Congregação para a Doutrina da Fé,
à época liderada pelo então cardeal Joseph Ratzinger. O fato é que a
absolutização dessa única opção teológica unida a "sua visão da salvação
na história [...]uemasiauo uepciiueuLe visão hegeliana do progresso e da
dialética da história", expôs tal opção ao esgotamento comum de se reduzir
a evangelização a uma ideologia.
A relevância do Pentecostalismo
na pós-modernidade
Em suma, se por "um lado
a teologia progressista europeia [e a conservadora norte-americana igualmente]
se centraram na problemática da emancipação do indivíduo nascido do Iluminismo,
segundo a lógica da liberdade e dos direitos individuais no seio de uma democracia
liberal, [...] a teologia da libertação buscava justamente a crítica desse
modelo individualista, assinalando os efeitos de morte produzidos pela primazia
do indivíduo".9 Em termos diretos, falando-se em evangelização, tanto o
protestantismo (seja em sua expressão liberal ou conservadora) com sua ênfase
no indivíduo, tanto quanto o catolicismo, com sua ênfase na coletividade,
fracassaram. Isso por pretenderem ser metarrelatos, isto é, visões de mundo
absolutistas e únicas. Não obstante, chama a atenção o fato de que, tanto
naquele tempo como atualmente, a posição do pentecostalismo em anunciar o fim,
ser oportuna, posto que não "se trata, em consequência, para o crente
evadir-se do mundo, muito pelo contrário. Trata-se de anunciar o querigma
fundador do mundo novo que a Igreja de Cristo recebeu como herança. E, ainda
que agora em plena era da modernidade
tardia, estejamos plenamente conscientes do fracasso histórico do cristianismo
— e de sua visão secularizada, que é o Iluminismo—, hoje mais que nunca o
anúncio do fim do mundo e o do advento da salvação da parte de Deus se tornam
urgentes".
De igual forma, atualmente,
"mais do que nunca", diz o mesmo autor, "o pensamento teológico
anglo-saxão se esgotou com relação à pergunta sobre o porvir, a tal ponto que
parece já não ter nada que dizer para falar da esperança possível". É
exatamente esta mensagem que os que recebem a chama pentecostal tem levado ao
longo dos dois mil anos de existência da Igreja (At 2.14-47) e, muito mais
agora, com o "retorno" do religioso sob várias formas no que se
convencionou chamar de pós-modernidade. Não se trata de negar a realidade, mas
de entender que é preciso prosseguir a despeito de todos os problemas e
dificuldades. Incrivelmente, tal destaque se deve à visão escatológica do
pentecostalismo que, cumpre uma função muito importante em relação à esperança
e a transformação da realidade e da cultura, pois os "'movimentos
milenares representam para uma cultura o mesmo que os ritos de passagem para um
indivíduo (...) Eles permitem à pessoa ou à sociedade entrar em contato com o
passado e com suas raízes simbólicas mais profundas, a fim de preparar-se para
dar o próximo
— e por vezes aterrador —
passo rumo ao futuro'. Assim, a transformação da realidade e da cultura
na perspectiva pentecostal acontece pela forma com que esperançosos encaramos o
futuro, aguardando a parusia e a implantação final e definitiva do Reino de
Deus que, não tem data marcada para acontecer e foge ao nosso controle.
Fonte: JMP, Agosto de 2017
Artigo: César Moisés Carvalho
Reverberação: Subsídios EBD